Há coisas que nos perturbam na raiz de nossa essência, no mais inesperado de nossas mentes, nos desavisados passos do cotidiano.
Estava pensando "na morte da bezerra", outro dia, bem distraída, indo a pé para casa. De repente, a intuição: "atravessa!"
Eu
não discuto com a intuição. É como não acreditar nas bruxas, sabendo de sobra
que elas existem. Atravessei... e mais: entre os carros, imediatamente. Que se
dane... “ordens são ordens”.
Já
do outro lado é que me virei e olhei o que tinha deixado para trás: três
meninos crescidos, que a gente, antigamente, chamava de moleques, sem que isso fosse uma ofensa. Pelo olhar de descrença
que eles lançavam em minha direção, percebi: tinha acabado de me safar de um
assalto. Estava escurecendo. Entrei numa dessas lojas que só se fecham às 22 horas
e fiquei fazendo uma hora lá dentro, mais para pensar na vida do que por medo.
Esses iriam buscar outra pessoa. Para eles, tinha perdido a graça da abordagem
de surpresa.
Um
assalto aqui, muita muita muita fome ali... o descaso e o descalabro andando de
mãos dadas nesse mundo de meus deuses. Coisas que viraram pequenas no cotidiano
carioca, nessa cidade que não me canso de dizer que é de uma maravilha sem fim.
E
enquanto eu passeava olhando as prateleiras da loja, mas com olhos perdidos no
nada, pensei na banalização desse caos sem tamanho. Se não dá para não fazer
nada, desacreditar tampouco. Não dá para viver sem pensar que há de ter uma
saída, olhar só para o próprio umbigo, sem nada fazer.
Acreditar
é preciso, mesmo com os olhos cansados de buscar uma luz em um horizonte que se
esconde num cinzento de nuvens. Navegar é preciso, mesmo na consciência do caos
– ou mesmo por causa disso. Todo tempo é tempo de ser brasileira, de direito e
de fato, ser corresponsável pelas graças e desgraças do meu país.
E
estarei lá, mesmo um pouco desacreditada de tudo, mas corajosa e cidadã, com
meus mais de setenta anos, enrodilhada na rede de meus sossegos e desassossegos.
Título na mão. Dedo pronto para a assinatura digital.
Você
só se dá conta da grandeza da pequenez quando pensa em um mosquito sozinho com
você num quarto escuro...
E,
pela primeira vez, sinto o prazer e a empatia de me confundir com esse
mosquito.