Caminhando pela Av. Atlântica, como manda o figurino
a quem ficou tantos dias bem quietinha em casa, me deparei com essas árvores,
quase em posição tombada, praticamente rastejando para o mar.
Será que apenas querem buscar a pureza de suas
ondas, ou também tentam deixar para trás as energias avassaladoras da sordidez
humana? Não, não posso ser tão cruel. Há milhares e milhares de pessoas de bem
nesse planeta. Mas a metáfora povoou minha mente...
Nunca duvidei que as plantas falassem. Tive uma
Renda Portuguesa belíssima e frondosa que morreu um mês depois de meu canário,
que costumava praticamente morar nela, em todo o tempo em que ficava solto em
casa. Eu não tinha o que fazer para agradá-la. Entrou em um luto irreversível e
secou em um mês. Talvez hoje, conhecendo melhor as energias, eu conseguisse
dissuadi-la de que a vida é bela e perdas não são perdas... mas eu era menos
ligada nessas coisas naquela época.
Tive uma avenca enorme, que cobria toda a minha
mesinha da sala e ficava zangada comigo se não recebesse um bom dia, passando minhas mãos por ela, de manhã.
Murchava amuada, até que lhe desse atenção. Aceitava que não a regasse todos os
dias, mas passar a mão era indispensável. Também não gostava de algumas pessoas
que entravam em minha casa. Fazia a mesma coisa até a pessoa ir embora...
Mas minha crença na linguagem das plantas começou
bem antes disso.
Nas décadas de oitenta e noventa, fui várias vezes à
Alemanha. Aproveitava minha estadia para visitar cidades vizinhas. Ia e voltava
no mesmo dia, com o maior conforto e praticidade, organização e desempenho das
cidades europeias, em todos os níveis, não só nos transportes. Um dia, seremos
assim. Não podemos nos esquecer de que a Europa está séculos a nossa frente e que,
na Idade Média, era tão corrupta quanto nosso país é hoje. Não adianta atropelar
e dizer que não tem jeito. E cabe-nos agir, quando nos couber a competência. Desde
a Idade Média, a Europa teve de
amadurecer muito, entre Reis, Estados e Religiões. Já pensaram nisso?
Igualzinho! Então, há esperança.
Mas voltemos às árvores. Naquela manhã de 1990, o
mapa me atraiu, mesmo sem ter nada de especial na descrição da cidade: Bad Homburg.
Eu estava hospedada em Frankfurt, cidade que já conhecia bem, então, ficava num vai e volta, sem pressa. Seria meia
hora de metrô. Por que não? Foi fácil achar em minhas anotações de viagem: 27
de setembro - Tomei um vinho gostosíssimo no almoço da Hertie (uma das grandes
lojas alemãs), comi o pedaço da torta de chocolate mais gostoso de toda a minha
vida, numa doçaria fundada em 1886. Consigo me lembrar do sabor até hoje, eu,
que nem sou assim tão chegada a comer...
Conheci lugares preciosos por toda a Alemanha desse
jeitinho mesmo, mas... por que Bad Homburg? Nada me atraia especialmente para
lá. Nada da descrição me chamava a atenção especificamente! Mas logo que
cheguei, ao visitar um pequeno jardim, descobri, como que por encanto, o motivo
de minha ida: aquela árvore!
Um Cedro do Líbano. Foi quando eu descobri que não
tinha ido “porque era perto”. Eu tinha ido porque ali estava a árvore da minha
vida!
A imagem me hipnotizou logo na entrada. Como usava
filmadora, na época, e por praticidade não tinha levado também a câmera (seria
muito peso), não tenho sua foto. Mas foi fácil achar pela busca na internet:
Bad Homburg – Cedro do Líbano em Schlossgarten.
Eu não sei quanto tempo fiquei ali. Só sei que, a
não ser para almoçar e comer aquela torta deliciosa e inesquecível, que ficava
na pequena rua principal, não conheci mais nada da cidade. Eu tinha ido ali por
causa daquela árvore!
Impossível descrever momentos místicos...
No final da tarde, não havia outro jeito senão ir embora. Fui me aproximando devagar daquela imagem forte e, ao mesmo tempo, tão doce e pura. Não tinha sequer pensado em tocá-la, mas ela me atraiu como um ímã. Não sei se ela me abraçou ou foi o contrário. Um abraço quase sem tocá-la, tão enlevado e envolvente. Mas... na palma de minha mão direita se soltou um pedacinho de seu tronco. Minúsculo. De pura e generosa doação que só as mães podem ter. Eu não sabia como tinha se soltado, eu quase não encostara nela, tão respeitoso fora meu ato.
Mas estava lá, em minha mão. Senti a generosidade da Terra, de seus cuidados curadores com seus filhos. Essa árvore-mãe generosa, dando uma parte de si mesma para sua filha embevecida. Nunca senti vontade de voltar para visita-la, pois sua imagem se fez presente em meu coração para sempre.
E nunca mais fui a mesma pessoa, desde então.
Referências: Foto do Cedro do Jardim de Schlosspark – Bad Homburg
https://www.monumentaltrees.com/es/fotos/72586/