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sábado, 21 de maio de 2011

SESSENTA - A COMEMORAÇÃO



Quando se tem amigos de verdade pode-se esperar de tudo num aniversário. Ainda mais aos sessenta anos...

Pensei que passaria meu aniversário como sempre, tranqüila e sem imprevistos. Ledo engano... uma trama se urdia por trás de mim, sem que eu pudesse sequer imaginar a sua dimensão!

Pois então... num intervalo de 48 horas pude usufruir do mais puro encantamento que se revela pelo amor que só almas humanas como as de amigos tão verdadeiros podem proporcionar.

Pelos percursos que a vida engendrou em meus passos, tenho amigos de grupos sociais muito diferentes, grupos que, por acasos também da vida, não se conhecem. Há os amigos da minha geração que a vida foi tecendo aos poucos no meu caminho. Entre eles, o casal Patrícia e Silvio que você já conhece do conto “Silvio” e dos pitacos, em outros contos, quando a eles me refiro. Mas há as “galeras”. Entre essas, a galera jovem, de ex-alunos da universidade ou dos cursos de Reiki, que foram se conhecendo em workshops comuns, como os de cursos sobre Jung, ou por encontros casuais, por aí. Há ex-colegas de universidade... enfim... grupos, todos queridos, mas que se dividem apenas por eles mesmos, como acontece com os “números primos” de nossos estudos matemáticos.

Pois é... foi exatamente isso que pirou a galera jovem, que queria me fazer uma surpresa. Mas eu só fui descobrir tudinho, no domingo, dia 15, depois da surpresa feita...

Assim, posso lhe dizer que passei por todas as emoções desejadas, nesse passar de ano sexagenário, como verá, a seguir:

O dia quatorze amanheceu dorminhoco e nublado. Tinha planejado almoçar com Patrícia e Silvio, que me brindariam com a realização de um desejo antigo: um passeio de helicóptero pela cidade. Mas as nuvens espalharam o cinza pela cidade. O passeio foi adiado e substituído por um inesquecível almoço à vista do Pão de Açucar, um almoço de quatro horas, com papos infindáveis.


Para coroar a tarde, Daniele apareceu, pois estava no mesmo prédio do restaurante, quando me ligou, e enfeitou a sobremesa. Saimos rumo ao apto de Patrícia, cuja varanda também dá para o Pão de Açucar.


Ficamos por ali, na sala, horas infindáveis revendo nossas vidas, jogando conversa fora, a montanha enfeitando meus pensamentos. Almas tranqüilas, dia ameno. Que delícia! Patrícia, como já lhe disse uma vez, é a irmã que se esqueceu de nascer da mesma mãe. Entardecer gostoso e brando. Emoção saída do frasco de perfume da vida, que se exalou por todo o meu dia.

Cheguei em casa pronta para uma excursão no dia seguinte, domingo de manhã. Aí é que a trama da outra emoção começa, sem eu sequer dar-me conta disso.

Ocorreu que a galera jovem - composta do que eu costumo chamar de filhos que a vida me deu - estava há quase um mês armando uma tremenda surpresa. Exatamente, me dariam, de presente, o tal passeio de helicóptero. Para isso, tinham planejado um encontro festivo em um quiosque da Lagoa Rodrigo de Freitas. Em princípio, eu topei, mas achando muito esquisito o lugar do encontro. Afinal, um quiosque da Lagoa? Por quê? Mal sabia eu que era ali um dos locais de partida para o vôo de helicóptero! Sem saber de nada e nem sei por que cargas d’água, no entanto, comentei com um deles que passaria o aniversário com Patrícia, que me daria de presente esse vôo.

Você pode imaginar o reboliço que deu na galera? Eu nem por alto poderia imaginar. Só soube no domingo de manhã, por todo o percurso que eles passaram para poderem me pegar de surpresa em outra coisa! Mas... “que outra coisa”? Pelo que conheço da patota, teria de ser uma “outra coisa” igualmente inesquecível. Hoje, fico pensando o que e como eles conseguiram se articular novamente, todos trabalhando tanto e com tão pouco tempo para bolarem outras alternativas, mesmo contando com a internet.

Souberam que talvez eu fosse a Buenos Aires, atrás de um curso de Reiki. Imediatamente resolveram o problema, bolando uma aula de tango diretamente com um instrutor de lá. Todos sabem que eu adoro dançar, seria um presente fantástico e sui generis, que eu iria adorar sem dúvida!!! Mas eu desisti do curso e comentei isso também, despreocupadamente. Nada feito... eu estava mesmo dando um trabalhão para a galera, sem o saber!

Foi aí que Karen (uma delas), sem querer, acertou em cheio: disse que tinha feito a trilha do Pão de Açucar num desses domingos. Comentei que era uma trilha que eu nunca fizera e que desejaria muito fazer, um sonho da minha vida! Foi a dica para a isca: ela me convidou para a trilha, de manhã, dizendo que poderíamos nos encontrar com a galera à tarde. Isso tudo se não chovesse, é claro.

Eu não sei o que eles fizeram... mas o sábado chuvoso do aniversário se transformou num belíssimo domingo de sol, como só acontece no Rio de Janeiro!

E foi assim. Leo disse que iria junto e os três fizemos a trilha, rumo à primeira etapa do Pão de Açucar. Nem posso dizer como me diverti!





Chegados ao final e, num breve repouso, nos encontramos com Dani, André e sua filhinha de oito meses, minha primeira “netinha” do coração.


E foi aí que a surpresa se fez. Descobri que a galera, afinal, estava todinha nos esperando lá embaixo!

Desci já com o coração um pouco aos pulos, um sorriso interior agradecido que só eu conheço, quando a vida completa o ritmo da emoção de uma forma tão graciosa e pura!

Não deu outra: a galera estava lá embaixo, muito bem representada pelos que puderam vir. Assim, meus olhos juntaram num só quadro: Dani, André, Alicinha (a tal netinha), Cecilia, Junior e Arthur (agora com dez meses, um netinho um pouco mais distante, mas não menos querido), Natália, Lara, Karen, Leo e Ari, numa mesa de um restaurante-bar com vista direta para o Pão de Açucar, enquadrado pelo mar e a Praia Vermelha.




E claro: um bolinho delicioso feito por Cecilia (hum...), que foi devorado tão rápido que nem saiu nas fotos, com as velas dos desejos, um cartão confeccionado e desenhado por Karen (com o símbolo original do Reiki!) e com mil dedicatórias de cada um.

Os que não foram, estavam ali presentes, nas páginas internas: Cesar, Thadeu, Tácito, Clovis, Margareth, Dani Castro, Regina, Alberto...


E o presente inicial que seria um vôo de helicóptero e que virou uma aula de tango, na Argentina, acabou se transformando, enfim, na concretização de mais uma de minhas grandes paixões, com um “vale” imitativo do que já ofereci a muitos de meus amigos: “vale um curso de Reiki”.

E será nisso mesmo que vou transformar o meu presente, na vinda de meus mestres de Reiki, Arjava Petter Sensei e Tadao Sensei, ao Brasil, no próximo setembro. Mas, na verdade, contados os fatos, eu me senti ganhando os três presentes: o vôo, a aula de tango e o curso de Reiki, pois só de me contarem a trajetória da trama, me vi, em cada etapa, sendo realmente presenteada em cada passo. Presentes inesquecíveis para um dia inesquecível.

Passamos o resto da manhã e metade da tarde ali, aos pés do Pão de Açucar, eles me contando como contornaram o imprevisto “não-voo-de-helicóptero”, substituindo-o, além do presente material, por outro evento tão importante como o primeiro para mim - a trilha do Pão de Açucar -, num dia que eles “decidiram” que não poderia chover de jeito nenhum...

É... quem tem amigos como os meus, tão doces quanto queridos, não precisa olhar em torno para sentir falta de qualquer coisa...

Com o coração preenchido pelas alegrias desses dois dias, tão diversos e tão igualmente importantes, voltei para casa, no final da tarde, para escrever este conto.

Lá fora, enfim, a chuva resolveu cair de todo, para combinar com as lágrimas emocionadas que acompanharam o dedilhar dos meus dedos no teclado.

Um detalhe, mais do que valioso, que fiz questão de mencionar por todo o texto: o Pão de Açucar - que merecerá um conto à parte, por sua importância em tantos momentos da minha vida - esteve presente, sem que nenhum deles assim arquitetasse, desde a casa de Patrícia, o restaurante escolhido para o almoço do sábado, a trilha do Pão de Açucar, na manhã de domingo, e o bar-restaurante escolhido para o encontro da galera, com a montanha a nossa frente.



Sem que eles soubessem, nesses dois dias, todos me brindaram não só com sua presença e seu coração, mas com a intuição nascida da amizade e do carinho, por me oferecerem, em todos esses momentos, o pano de fundo mais querido e mais amado por mim, nesta cidade.

Amigos assim, a cada passo, formam uma trilha mais do que sonora, em nossas vidas!

Tim-tim!

sábado, 5 de março de 2011

O NOIVO


Poucas mulheres puderam, como eu, ter tido um príncipe ao vivo e a cores, sondando seus passos de infância.

E esse não era um príncipe encantado. Era humano. Não saíra dos contos de fadas. Podia tocá-lo a qualquer instante. Talvez por isso, na minha adolescência, enquanto minhas colegas colecionavam retratos dos Beatles e respondiam àqueles questionários com nomes de artistas de filmes, cantores ou outros ídolos, nas questões que investigavam quem indicar como modelo de homem para elas, eu colecionava paisagens, escrevia poesias para um alguém indeterminado, mas bem delineado em meu coração e respondia àquela pergunta “quem você escolheria para se casar”, apenas dizendo: um homem que possa guardar com carinho meu rosto em suas mãos. Eu havia vivido isso... e com intensidade. Estava marcada, tatuada por uma vivência inesquecível.

Apenas um muro me separava da realidade desse encantamento. Sua avó morava ao lado e, já aos cinco anos, ele sabia muito bem com quem iria se casar quando crescesse. Descobri isso numa tarde despregada de domingo. Aos cinco anos, eu só conseguia identificar os domingos, por ver toda a família dele almoçando na casa da avó. Ah... o feijão de D. Mariazinha, de gosto e leveza inesquecíveis...

Meu príncipe estava encarregado de levar, lá de casa, o famoso pão-de-ló, obra prima de minha mãe, para a sobremesa da família. Unha e carne, como diziam, estávamos colados um ao outro quando ouvi sua voz límpida e firme entregando o doce a avó, na frente de todos que estavam sentados em torno da mesa:

- Aqui, vó, o bolo da sogra.

Estava firmado o noivado, com os pais, irmãos, tios e avós presentes.

Engraçado, num gesto espontâneo, não premeditado, por coincidência (?), ninguém da minha família. Desde cedo, refletiam-se os caminhos de minha identidade com o mundo. Mas isso é outra história... Voltemos aos fatos.

Senti o coração bater com força. Eu não sabia bem o que significava, mas sabia que, naquele momento, era para sempre. Minha alegria interior era tamanha que colei os pés no chão para não cair, sorriso por dentro, encabulamento por fora, diante do riso solto e descontraído que esta frase simples e ingênua roubou de todos, acompanhado da observação do avô:

- Ora veja só... escolheu a moça de olhos mais lindos que já vi e de alma irmã a sua, meu neto.

Ele era apaixonado pelo avô, então, qualquer coisa que dissesse, era lei. Estava, pois, firmado e confirmado o compromisso, perante o avô e o mundo. Mas ele era assim, ouvia as coisas com a maior simplicidade do mundo e, pelo menos por fora, agia como um homenzinho miniatura, gigante aos meus olhos, senhor das situações, sabendo muito bem o que fazia. O encantamento estava sempre espalhado por toda a parte, permeando a naturalidade com que ele encarava todos os nossos interesses comuns. O encabulamento ficou apenas por minha conta...

Não havia segredos entre nós, pois líamos os pensamentos um do outro, num relance de olhar. Às vezes, nem isso. Os adultos diziam que nossos corações deveriam bater no mesmo ritmo, tão evidente tudo se fazia.

Lembro-me que ele era ligeiramente mais baixo do que eu, mas o suficiente para incomodá-lo. E na única foto que guardei de nós dois, lembro-me que, sem combinarmos, ele levantou um tiquinho os calcanhares exatamente no mesmo momento em que me encolhi toda, o mesmo tiquinho... o suficiente para que a diferença não aparecesse tanto. Essa era a sincronia de nossas atitudes. Eu não me incomodava por ser mais alta, ele já era grande aos olhos da minha alma, mas não queria que ele se visse mais baixo na foto...

Ele não sabia andar até a pracinha sem ser de mãos dadas comigo. Se algum garoto tivesse a gracinha de me chamar de vesga (eu era estrábica), não importava a altura ou a idade do tipo, ele avançava, leão em sua pequenez, pronto mesmo para bater, dizendo:

- São os olhos mais lindos mundo e ela é muito bonita também!

Um pouco possessivo, confesso, pois eu só podia brincar com ele. Mas, àquela altura, estava ótimo para mim. Era o melhor amigo de folguedos que eu conhecia e ele cuidava para que tudo fosse seguro e confortável. Eu me sentia mesmo uma princesa, sem o saber.

Lembro-me de nossa inocência, de nossa naturalidade, de nossa cumplicidade. Foi com ele que me deparei, pela primeira vez, com a aparência do sexo oposto, no sentido literal da palavra. Apertado, num dia qualquer, ele encostou-se numa arvore e fez ali mesmo o que mais precisava fazer. Olhei encantada para o que jamais vira e apenas disse:

- Que aparelhinho prático! Quero ter um também!

Ele voltou-se sério:

- Você não pode ter um!

Perguntei por que, como se fosse o maior e mais burro impedimento do mundo. Lembro-me de sua solenidade:

- Se você tivesse um, seria um menino e não poderia se casar comigo, quando crescesse.

Pronto, ali mesmo, fazendo xixi, ele conseguiu, num só ato, resolver suas necessidades práticas e momentâneas, desfazer os complexos que algum adepto de Freud levaria anos para tirar de mim quando eu crescesse, me conceder o conhecimento saudável das diferenças e me dar a alegria inenarrável de tê-lo como parceiro. Ficou tudo certo, no mesmo segundo, e eu jamais iria querer ter aparelhinho prático algum.

Chegamos em casa (a casa da avó) e a primeira coisa que ele fez foi contar a aventura à velha senhora (adultos grisalhos são velhos para crianças de cinco anos ainda mais quando já são avós...), brincando ingenuamente com a minha ignorância. Ela sorriu e, sábia, confirmou as informações daquele menino tão esperto...

Não sei exatamente como aconteceu, mas deve ter sido no mesmo dia: tomamos banho juntos, em sua casa, dentro de uma banheira daquelas antigas, colocadas naqueles banheiros brancos e monstruosos, típicos das casas tijucanas da década de cinqüenta. A água era fria, embora a chuveirada fosse das boas. Mas ele parecia intuir minhas necessidades tão logo surgissem e mal nos ensaboamos e saímos da última chuveirada, a primeira coisa que fez foi saltar da banheira, molhando todo o chão para pegar uma toalha, me enrolar e me esfregar bastante as costas, dizendo a avó:

- Ela tá com frio, vó, arrepiada, vamos secar depressa.

Não me lembro de outro banho, mas a gentileza deste foi suficiente para guardar mais esta pérola em meu coração. Para a sábia e esperta avó, talvez para tirarmos qualquer dúvida sobre a sexualidade infantil; para nós dois, apenas mais uma oportunidade de estarmos juntos e felizes. Tal era a nossa inocência e, talvez, tal a certeza, entre nós, de que, provavelmente, tudo teria o seu tempo.

Eu ficava de castigo com freqüência. Meus crimes se resumiam a apenas um: não queria comer. Ficava, por conta disso, horas a fio (para mim, horas... e... infindáveis), num canto da sala de visitas, de cara para a parede. Mas de nada adiantava. Depois disso, a comida, com mais razão ainda, simplesmente não descia. Nos dias de castigo, meu pequeno amigo se negava a ir brincar na pracinha ou ia apenas para catar umas sementinhas dessas de estalinho que as crianças gostam de pisar (ou gostavam, quando infância nas praças ainda existia). Colocava tudo numa caixinha de fósforos e me esperava sair do castigo. Então, pulava o muro e espalhava pelo chão do meu quintal aquele tapete de sementes para que pudéssemos nos divertir juntos, pisando uma a uma...

Meu estômago era travado por razões advindas da família complicada que povoou a minha infância. Coisas já analisadas, que não puderam ser resolvidas com a mesma simplicidade de quando quis ter um pênis ao ver o de meu noivo, pela primeira vez. Afinal, os terapeutas precisam de nós para consumarem sua vocação... e nós, muitas vezes, precisamos deles para nos olharmos melhor no espelho. Agradeço sinceramente ao meu por isso.

Mas voltemos ao caso: meu estômago era travado. Não era birra nem teimosia. Era travado mesmo, fechado a sete chaves e eu, literalmente, diante de um irmão muito mais velho e prepotente olhando sério para mim dizendo que, naquele dia eu ia comer de qualquer jeito, ficava pensando por que não poderíamos nos alimentar de ar e brisa e não de comida. Minha teimosia era essa... e castigo sempre, o que não adiantava muito, pelo contrário.

Meu noivo, no entanto, era paciente e sempre me esperava sair do suplício. Estava a postos, do outro lado do muro, esperando para me ver. Quantas vezes (inumeráveis!), ao pular o muro e perguntar se já tinha almoçado, diante da minha negativa, dizia que não tinha almoçado também e que estava me esperando. Eu lhe dizia que não iria comer de jeito nenhum, mas, jeitosinho, ele me convidava apenas a ficar olhando, enquanto ele comia. Foi assim que conheci o gosto inesquecível do feijão de D. Mariazinha. Uma garfada para ele e, talvez, dez para mim, tiradas do mesmo prato. Hoje, penso que, talvez, ele já tivesse almoçado todas aquelas vezes e usava esse ardil para me fazer comer... e eu comia tudinho. É bem provável que fosse lá idéia da D. Mariazinha, experiente da vida e das crianças. Fosse o que fosse, ele cumpria seu papel, com a leveza de um pequeno anjo.

Conversávamos sobre tudo... eu não me lembro que tudo era esse, mas ouvia os adultos dizerem que esses dois vivem conversando o dia todo, não sei o que tanto eles têm para assuntar... Tínhamos nosso canto para conversar. Sempre o mesmo na casa da avó e também sempre o mesmo, quando era no meu quintal. Lembro-me, como se fosse em um filme, da avó que olhava da janela da cozinha e, de vez em quando, sorria para nós. Ninguém se aproximava, nossas conversas eram íntimas, por certo, e muito longas e respeitadas por todos. Afinal, éramos noivos. Como eu gostaria de saber, hoje, o que tanto tínhamos para falar, aos cinco ou seis anos de idade...

Aliás, o aniversário de seis anos dele foi inesquecível. Tantas e tantas crianças, correndo de um lado para outro... e, por incrível que pareça, só me lembro de um único e contundente detalhe: meu amigo, perdão, meu noivo, com aquela cara que eu bem conhecia nele, de quem vai aprontar alguma, se aproximou de mim, com dois alfinetes na mão:

- Vamos sair furando as bolas de todo mundo?

Coisas de menino... mas essa menina, aqui, muito séria redargüiu:

- Isso não se faz, é maldade, eles vão ficar tristes e chorar.

Ele não era menino de abrir mão de seus caprichos... mas também não era príncipe de desonrar os desejos de sua princesa. Eu acho mesmo que eu sempre o colocava em maus lençóis consigo mesmo por causa disso, mas só me lembro desse fato, em particular. Sumiu. Mais um pouco, ele voltou, com os dois alfinetes: estava resolvida a história: ele tinha falado com a mãe e conseguido tirar mais um bando de bolas de gás dos enfeites da festa e estava tudo certo: nós furávamos e, logo depois, oferecíamos outra. E assim foi feito para a alegria dele e minha. Danadinho...

No cotidiano, brincávamos de casinha e ele sempre ia fazer as compras, trazendo pedacinhos de folhas e flores para minhas panelinhas de brinquedo. Também nos divertíamos com corridas de carrinho e outras coisas de menino, dos brinquedos fantásticos que ele trazia da casa de sua mãe para nosso devaneio.

Meu homem já sabia o que seria quando crescesse: ortodontista, tão bom quanto o avô. Vivia namorando o boticão, as pinças, a maleta, o jaleco e tudo mais que faz do dentista um médico de grande parte de nossas amarguras da infância e da adultícia. Eu não tinha nenhuma dúvida de que ele seria o melhor dentista do mundo. E foi por isso que, quando meu primeiro dentinho amoleceu, foi para ele que corri. Este foi o único momento, em toda a nossa infância, que me lembro de nos termos enfiado atrás da porta, às escondidas. Ele, com as mãos impecavelmente lavadas, eu e o boticão do avô.

Para mim, foi o único momento em que me senti em risco, mas minha confiança nele era mesmo inabalável. E foi tecnicamente, com perícia inusitada que meu primeiro dente foi arrancado num desses domingos familiares, por esse profissional precoce. Só então - terminada a operação que, diga-se de passagem, não doeu nem um pingo - ele se aproximou do avô, sussurrou-lhe ao ouvido e o trouxe puxado pela mão para a saleta de visitas onde havia me deixado, olhando de longe, mão na boca, pressionando um algodão contra o orifício deixado pelo dente extraído. Mostrou o feito e perguntou se estava tudo bem, apresentando o dente retirado e pedindo que o avô fizesse o exame de minha boca. Extração perfeita, diploma-mirim concedido, diante de toda a família, sob a voz de comando do avô, orgulhoso da traquinagem perfeita de seu neto, incluindo o cuidado profissional da consultoria posterior. Perdi meu primeiro dentinho, mas não perdi a ventura do amor, da dedicação, do cuidado.

As aventuras se perderiam, em linhas incontáveis, mas o que foi posto é mais do que suficiente para mostrar o quanto esse pequeno menino, de grande estatura para mim, contribuiu para a imagem do masculino que trago em meu perfil psicológico. É suficiente, também, para que entenda o que foi nossa despedida, comandada pela tranqüilidade desse meu pequeno grande herói.

Mas está ficando muito longo e o melhor está por vir. Conto o restinho na semana que vem.

domingo, 26 de dezembro de 2010

QUERO MEUS DIREITOS DE VOLTA (conto de ano novo)


Falamos tanto de direitos humanos, de direito civil, direito isso, direito aquilo, mas nos esquecemos do melhor dos direitos: o direito de podermos comandar nosso eu interior, nossos passos da alma, nossas emoções. O direito que podemos e devemos nos dar de vivermos o melhor de nossas escolhas.

Enquanto olhamos para fora, para a crítica da mídia, do sistema, do planeta, do isso e do aquilo, quem sabe, não estejamos, antes de tudo, mascarando os direitos mais profundos e internos de nossa própria vida, aquilo sobre o que podemos decidir sobre nós mesmos, antes de decidirmos sobre o que existe fora de nós.

Não sou contra a luta social, muito pelo contrário. Na juventude fiz passeatas, participei de greves, vesti camisas, me arrisquei a perder o emprego, mas não deixei por menos: fiz. Não me arrependo, era a hora de fazer e até me orgulho disso.

Mas há direitos que não podemos deixar de resgatar se os perdemos... e isso acontece com uma indescritível freqüência, um direito que nos foi dado, quando viemos ao mundo. Na maioria das vezes, o perdemos no bulício do cotidiano, da juventude, do trabalho, dos vieses da vida. Deixamos de lado a voz de nosso coração, somos racionais, práticos demais... ou somos excessivamente emocionais, apaixonados, impulsivos. Tudo certo. Tudo válido. Mas, muitas vezes, acabamos perdendo nosso rumo interior, na medida descompassada da mente e do coração.

Sempre tivemos os mais importantes dos direitos: os direitos que asseguram nosso livre arbítrio. Mas, quase sempre, nos esquecemos de que eles existem com a finalidade única e imprescindível de nos tornarmos aptos a lutar por nossa saudável felicidade.

O que me faz escrever isso hoje é uma soma incalculável de mostras de tanta infelicidade a minha volta, tanta dor, às vezes, tanto sofrimento interior. Também das minhas dores, não me excluo disso. Mas talvez esteja mais consciente agora do que antes.

E é por isso mesmo que faço um convite, por que não? Não há nada a perder, pelo contrário!

Se as coisas não andam como você deseja, que tal fazer uma passeata interior, entrar em greve de “vida” e gritar para você mesmo ou mesma:

QUERO MEUS DIREITOS DE VOLTA!

O melhor da história é que eles estão ao seu alcance, é só você se dar conta disso... e tomar as atitudes corretas. Quem sabe, sua vida dê uma reviravolta saudável a partir daí e, se você não está bem, é hora de começar a escrever o seu novo conto, seu verdadeiro conto de vida.

Muitas vezes, a mudança nem se dá no cotidiano exterior. O mais importante é o que vai na sua alma. Outras vezes, a mudança é mesmo total e muda tudo: o de fora para mudar o de dentro. Foi assim que aconteceu comigo. Mas não importa qual seja o seu caminho. Você veio com o direito de ser feliz. O problema é saber encontrar como... e... quem sabe, é bem mais fácil do que você imagina. Simplifique. A grande e maior sabedoria é tão simples que, muitas vezes, não conseguimos alcançá-la!... Não se iluda, ouça sua voz interior. Seja fiel a ela. É uma boa pista. Talvez a melhor.

Tente. Quem sabe a felicidade esteja a sua porta, na porta interior de sua alma. Ninguém usurpa os direitos de alma de ninguém. Se não os tem, ou melhor, se não os percebe vivos, faço este convite, de amiga, de mãe, de irmã, de alguém que te quer ver feliz porque também lutou por preservar a própria felicidade.

Lute por você: tenha seus direitos de volta!

Lutar por eles foi, um dia, o mais importante e verdadeiro conto da minha vida.