domingo, 31 de agosto de 2014

FLASH



Tenho notado: nossas calçadas andam mais limpas.

Isso me fez lembrar com admiração e alegria de um raro e incrível momento que vivi numa de minhas caminhadas pelo calçadão, já faz algum tempo:

Um senhor, de uns 70 anos, jogou displicente uma lata de refrigerantes ao chão, quase a meu lado.

Antes que eu pudesse esboçar qualquer reação, um tiquinho de gente de uns quatro anos, no máximo, que estava muito perto, desvencilhou-se da mão da mãe, correu, pegou a latinha, postou-se à frente de quem teria idade para ser seu avô e entregou a latinha ao cidadão estupefato: 

- O senhor esqueceu sua latinha no chão. 

E voltou com um olharzinho de quem carrega toda a responsabilidade do mundo. 

domingo, 24 de agosto de 2014

CORAÇOES INFANTIS


Aprendi Tai Chi Chuan na década de 90, com Cheng, monge taoista chinês, infelizmente, já falecido.

Cheng era um mestre exemplar. Lembro-me de seu porte alto e esguio encurtando-se até chegar a minha altura - até hoje não sei como - para ensinar-me detalhes da técnica:

- Faz de conta que sou seu espelho.

Colocava-se a minha frente, fazendo os gestos espelhados, acompanhando os meus com dedicação e seriedade.

- Inspira, expira, inspira, expira... leveza, suavidade, dedicação... pensa por dentro em cada gesto... deixe seu pensamento iluminar o seu movimento... assim... suave, brando, concentrado... inspira, expira... sua alma é a vida de seu movimento... suavidade, doçura, concentração, cuidado interior... inspira, expira... para dentro... para fora...

Preciso urgentemente voltar a praticar Tai Chi Chuan. Cheng deixou uma marca indelével de cuidado interior. Gratidão. Vou voltar a praticar e é prá já.

Com este pensamento, caminhava pela praia, hoje, até chegar ao Posto 6 (para quem não é do Rio, corresponde ao final da praia de Copacabana). O pensamento no Tai Chi e o encontro com os barcos dos pescadores fez-me lembrar o quanto aquele pedacinho de praia tem histórias para me contar. Hoje, vai a do meu encontro com as crianças do Morro do Cantagalo por causa do Tai Chi.

É que eu costumava praticar Tai Chi exatamente ali, entre os barcos e o mar, ao anoitecer ou, muitas vezes, à noite mesmo, no final de um dia exaustivo de trabalho.

O lugar é tranquilo e convidativo à meditação ou repouso. Muitos casais ali vão para namorar, conversar a beira-mar. Pessoas ficam por ali, naquela nesguinha de areia, na praia que se estreita e se junta ao calçadão. E por ser seguro e tranquilo, era para lá que eu ia, em busca da areia, do mar e da energia inebriante, suave e branda, em pleno bulício carioca.

Num desses dias, estava especialmente concentrada em meus movimentos. Há dias em que eles fluem melhor e mais plenamente, propiciando uma imersão interior mais profunda. Os ruídos à volta se dispersam, ou melhor, somem. Até o barulho gostoso do mar fica distante e profundo. A mente flui nos gestos... bom, intenso,  gostoso, restaurador... até que... sem essa ou aquela, naquele dia, uma evidência exacerbada de sons me tirou a concentração:

- "É qui nem" no filme," é qui nem" no filme!

Percebi crianças a minha volta. De imediato identifiquei os meninos moradores do Morro do Cantagalo. Um deles era o autor da frase, chamando a atenção dos outros. Provavelmente, ao verem meus gestos, confundiram-nos com alguns daqueles filmes de luta oriental. Sorri por dentro. Pensei neles, atuando durante o dia, considerados marginais, rondando as pessoas pelas ruas... escorraçados pela sociedade, pivetes.

Mas ali, eram "de novo" apenas crianças... e, no imaginário, me viam como uma figura de filme. Não resisti:

- Chega mais que eu ensino.

Não precisaram de outro convite. Vieram todos, eram uns seis ou sete.

- É só copiar, bem devagar.

Ficamos assim, por algum tempo, até que cansaram. Afinal, para tanta energia e vitalidade infantis, movimentos de Tai Chi, assim, sem mais nem menos, exige muito esforço.

- Por hoje chega, tia. Você vem de novo amanhã?

- Não posso vir todos os dias, mas, quando vier, se vocês quiserem, fazemos mais.

- Tá bom, tia, a gente tá por aqui.

E saíram correndo, brincando e pulando, imitando alguns gestos aprendidos, em ensaios de luta entre eles.

Saí dali pensativa. Quanta coisa poderia ser feita por esse meninos abandonados ao léu social... meninos condenados à marginalidade, escondendo corações infantis como qualquer criança... prontos para florescerem como em qualquer jardim... dependendo apenas de uma boa rega.

Como naquela noite, a lembrança mas fez voltar pensativa para casa. Uma sensação de inércia incontida e engasgada, interrompendo a fluidez do ar na garganta.

Tristeza, impotência... um sem saber o que fazer desse descaso social que nos envolve...


sábado, 16 de agosto de 2014

IMPLÍCITOS


Está implícito que nascemos para sermos felizes. Mas, por grande parte de nossas vidas, não nos damos conta disso.

Está implícito que todos temos os mesmos direitos, pois, afinal, todos somos iguais... mas... como dizia George Orwell, "uns são mais iguais que os outros"... 

Está implícito. Mas... está só implícito...


Obs.: Citação do livro "Revolução dos Bichos"


sexta-feira, 8 de agosto de 2014

D.R.


A coisa começou lá no consultório mesmo, já faz algum tempo: 

- Ontem tive uma DR com o meu namorado.

- Uma o quê?

- Uma DR.

- DR?

- É. DR: Discutir a Relação. 

No começo achei que era invenção do casal. Um neologismo inventado por eles. E já que eram muito belicosos, o termo combinava com os dois. Mas logo vi que não. "DR" logo começou a pipocar em todo lugar. No elevador, entre duas amigas, na fila do banco, no ônibus, no metrô, em papos que não dá para evitar escutar, já que estão "colados" em você. 

- Ontem tivemos uma DR. Nem te conto... 

A nova geração que me desculpe. Adoro vocês, mas... DR? Não dava para ser uma expressão melhorzinha para definir um acerto de corações entre duas pessoas que se amam?

Discutir, segundo o nosso indiscutível e honorável dicionário do Aurélio, significa debater (questão, problema ou assunto); examinar ou investigar questionando; pôr em debate, contestar; defender ou impugnar (assunto controvertido); questionar.

Na minha santa ignorância em relação aos conceitos da nova geração, fico pensando: ora, se o casal quer se acertar, não há pior termo do que escolher "discutir" para dar título a uma conversa a dois. Para mim, soa a contenda, a briga, a ataque e defesa. Jamais evoca uma ação conjunta de carinho, amor, harmonia, partindo do princípio que é isso que pretendem que represente.

Ok, na melhor das hipóteses, aceito a crítica: estou ficando ultrapassada.

Ainda assim, me desculpem... acho que esse mundo está mesmo ficando muito doido.


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

DÁ PRÁ BENZÊ?


No início, foi só coincidência. Mas por um bom período, começaram a ocorrer coincidências demais...

Até "zica" tem limite para acontecer...

No começo foi o aquecedor que pifou. Até aí, tudo bem, pois estava bem velhinho e precisava trocar.  Só que no mercado não tem mais desses que são ideais para prédios antigos.

Fui à internet e comprei um novo. Veio errado. Até aí, tudo bem, consegui solicitar devolução. Mas... é claro, deu aquele trabalhinho extra, como tudo que você quer devolver nesse país. Isso foi em maio e só agora meu cartão de crédito acusou estorno.

Enquanto isso, engolindo o  prejuízo e o tempo gasto, resolvi comprar direto na loja, com meu anjo da guarda, o Gildo, que faz tudo aqui em casa. Ele disse que poderia haver alguma incompatibilidade com as instalações antigas, mas... só testando.  Não deu certo. Até aí, tudo bem, pois o prédio é antigo. Tentei outras soluções. Nenhuma resolveu até que tive a ideia extrema: vou comprar um boiler.

Comprei o boiler. Não dei sorte com a empresa. Primeiro, entregaram um boiler errado: pedi vertical e veio horizontal. Mais uma semana de espera. Essas coisas acontecem...

Se fosse só isso, tava bom. O boiler certo veio e foi instalado, só que veio cheio de problemas. Se não fosse o Gildo, eu teria enlouquecido. Resolvi que ele mesmo iria se entender com o técnico da firma que, para ser educada nos termos, é um perfeito ignorante. Para você ter uma ideia, quando perguntei até que temperatura o boiler chegava ele me respondeu:

- Ele aquece de 28 a 35 graus, mais do que isso faz mal à saúde. 

Respondi estupefata:

- Você trabalha na firma há quanto tempo? 

- Muitos anos. 

- E nunca lhe passou pela cabeça saber a temperatura máxima de um boiler? O corpo humano tem a temperatura de 36 a 37 graus! Como é que você me diz que o boiler esquenta no máximo até 35? 

O pior é que ele é que é responsável pelo atendimento da zona sul, com mil cursos de instalação, etc. Tenho de engolir esse doido ou brigar na justiça para devolver o boiler. E começar tudo de novo com outro boiler... durma-se com um barulho desses.

Foi a partir daí que entreguei o caso ao Gildo, pois a novela do boiler já se estendia desde maio e estamos em julho. E como só agora pude contratar o Gildo, que estava em outra obra, até então eu é que me entendia (ou, melhor, me desentendia) com esse... digamos... como direi sem deixar saírem palavras inadequadas a respeito do tal sujeito? Deixa prá lá, você entendeu direitinho o que penso a respeito desse cavalheiro...

E eu sem água quente, ou melhor, com aquela água de chuveiro elétrico que esquenta só pela metade. Para quem toma banho a vapor, como eu, pouco adianta.

Atualmente, o boiler está funcionando... mas vaza. De qualquer forma, entreguei o caso ao meu amigo - Gildo -  e ele é que está se entendendo lá com o tal "especialista" da firma.

- Deixa comigo, D. Eulalia, estou acostumado a trabalhar com peão... a senhora já se estressou demais. 

Santo Gildo, santo anjo da guarda que eu tenho e que me aparece nas horas certas.

Continuo com o problema do boiler, mas já sei que, um dia, acerta. E tenho água quente, mesmo com ele vazando. Se não conseguir consertar, como está na garantia, o máximo que pode acontecer é eu colocar minha advogada na história e eles trocam o boiler. Deixa andar. Essas coisas acontecem.

Se fosse só isso, no entanto, eu diria que são agruras da vida. A gente encara e vai em frente...

Paralelamente, no entanto, foram acontecendo outras coisas: meu apto de Teresópolis apresentou um vazamento no apto de baixo. Outra zica, pois minha inquilina é osso duro de roer. Há quatro meses tento fazer com que abra a porta para o conserto, sem sucesso. Ela simplesmente não permite. Tive de colocar a minha advogada na questão e abrir um processo para forçá-la a permitir o conserto.  É. Vamos ver se agora desenrola.

Até aí, tudo bem, são coisas da vida...

Se fosse só isso, tava bom, mas, paralelamente, a porta da garagem resolveu despencar no teto do meu carro. Eu estou bem, não se preocupem. Só o carro sofreu alguns danos. O condomínio paga, está tudo certo. São coisas da vida. Acontecem...

Independente do conserto, levei o carro para a revisão. Voltou com o ar condicionado pifado. Está na garantia, mas fiquei sem carro mais uma semana.

São coisas da vida... acontecem...

Se fosse só isso, tudo bem, mas o computador pifou. Felizmente, João, meu querido e insubstituível "melhor irmão do coração do mundo"  veio e consertou rapidinho. Era uma besteira. A gente tem uns amigos que valem mil famílias juntas. João é um desses. Podia ser uma besteira, mas o treco não funcionava de jeito nenhum. Ele me salvou e fomos jantar fora para comemorar. Noite inesquecível. Aliás como todas, pois sempre nos divertimos muito juntos. Tiramos o melhor do infortúnio!...

Até aí tudo bem... afinal, a vida apronta uma ou outra, de vez em quando...

Se fosse só isso, tava bom, mas, paralelamente, fiz uma reforma no hall de entrada do meu apto. Diga-se, de passagem, que ficou uma gracinha, obra inigualável do Gildo. Só que terminada a obra, ocorreu o improvável: a soleira da porta, novinha em folha, rachou. Vou ter de trocar.

Até aí... bem... já está demais, não está não?

São coisas da vida... mas... peraí... dá prá benzê?

E é justamente o que vou fazer. Juro de pés juntos que "não creio nas bruxas... mas todos sabemos que elas existem"... entonces... vou benzer e é prá já!

Depois conto se funcionou.