sexta-feira, 27 de junho de 2014

TIM - DOIS CACHORROS INESQUECÍVEIS


O primeiro foi um cachorro que não tive. Aliás, o segundo, oficialmente, também não.

O fato é que os dois marcaram uma presença muito especial em minha vida, cada um a seu jeito.

Do primeiro Tim, muita coisa eu só sei do que me contaram. Mas tenho marcas indeléveis que trago de minha infância; o segundo, foi um Tim desses que, tanto eu quanto ele, tivemos um tipo de amor à primeira vista.

Os dois, cheios de histórias... vamos a algumas delas.

Tim, o primeiro, era um cachorro da família. Não sei como ele apareceu lá em casa, pois eu ainda nem era nascida. O que me contaram é que ele era um excelente pai, um cachorro desses cheio de responsabilidades. Um vira-latas de filme. Na verdade, um cavalheiro exemplar.

Soube de histórias que me fazem sorrir. Uma delas é que tinha uma cadelinha em casa que intitularam Peteca, se não me engano. É que a danada adorava dar umas voltas pela rua, paquerando todos os cães da vizinhança. E ficou grávida... e teve muitos filhotes. Oficialmente, pelo menos, Tim era o pai e vestiu o papel de progenitor até as últimas consequências. Peteca, ao contrário, era dessas que não queria mesmo nem saber dos filhotes. Tim tomava conta deles e ia buscar Peteca à força pelas vizinhanças, na hora da mamada. Na verdade, essa era a história que mais me impressionava em Tim. Peteca, não conheci, mas o Tim era um amor de cachorro, embora já fosse bem velhinho, quando eu já tinha uma certa noção do que era a vida e podia admirá-lo.

Não sei por que eu me encantava em observar o Tim. Pacato, tinha muita paciência comigo. Lembro-me de uma vez que voltei do cabeleireiro, onde minha mãe mandara cortar meu cabelo bem curtinho. Chegando à casa, olhei para ele e pensei: "Ué... ninguém corta o cabelo do Tim". Peguei uma tesourinha e praticamente tosei o solitário cãozinho. Lembro-me de sua paciência ao me ver cortar todo seu pelo daquele jeito desengonçado que uma criança de uns cindo anos sabe fazer. O seu pelo já era quase rente e ficou todo muito esquisito, com o rosa da pele aparecendo. Mas ele aguentou tudo quietinho, paciente que só ele. Levei uma bronca daquelas e fiquei de castigo. Mas me lembro que ele veio ficar ao meu lado, no canto da sala, acompanhando meu castigo naquele dia, como se dissesse:

- Liga não... eu não me incomodei nadinha...

Eu também cismava de catar pulgas no Tim... e ele ficava quietinho, quietinho, embora eu lhe desse uns bons beliscões involuntários. Ele tremia um pouco, levantava o focinho, mas ficava quietinho outra vez. Uma paciência de Jó.

As pessoas da casa diziam que, quando eu nasci, ele não deixava ninguém estranho entrar no quarto, pois rosnava e era preciso afastá-lo para que algum visitante pudesse me ver. Se eu saía de casa para o médico, por exemplo, minha mãe colocava uma peça de roupa com o meu cheiro para que ele pudesse sentar em cima e se acalmar até que eu voltasse.

Tim morreu comigo muito nova. Não tinha seis anos completos. Mas acho que tínhamos algo em comum, uma solitária solidariedade que poucos por ali conseguiriam identificar. Eu não sei se o Tim fez tanta falta para os outros como fez para mim, quando morreu. Sei que o olhei com olhos de quem não iria nunca mais se esquecer dele. E não me esqueci.

O outro Tim apareceu quando eu já era adulta. Eu não me lembro muito de qual era a raça, mas era um cão forte, porte médio, caramelo e muito bonito. Era o cão de um de meus irmãos.

Desde a primeira vez que me viu, abanou o rabo e ficamos muito íntimos. Quando eu chegava, era uma festa.

Lembro-me que não era desses cães muito dóceis. Na verdade, já mordera as crianças da casa. Diziam, no entanto, que era só não irritá-lo e tudo estaria bem.

Mas parece que isso não valia para nós dois, ou eu não conseguia irritá-lo, pois, de pronto, criamos uma cumplicidade intrínseca.

O quadro mais nítido que tenho de sua presença em minha vida é o de um dia em que visitei meu irmão e me sentei na rede de sua casa para descansar. Queria me balançar e procurava algo em que segurar para me puxar. Tim se aproximou, virou de costas e levantou o rabo. Não me fiz de rogada. Peguei o seu rabo e puxei. Ele ficou ali, como quem está se divertindo muito e eu conversando com ele. Achei aquilo a coisa mais incrível do mundo. Estávamos assim, felizes da vida, quando um de meus sobrinhos chegou assustado dizendo:

- Não toca no rabo dele, não toca no rabo dele, pois é assim que ele morde!

- Ué, mas foi ele que apontou o rabo para eu fazer assim!

- Não acredito!

- Então, fica aí e observa.

Dali  para diante, era coisa certa. Eu não podia sentar na rede que lá vinha o Tim apontar o rabo para eu balançar. Mas isso era privilégio só meu, o que, de certa forma, me deixava até um pouco constrangida...

Sempre que me levantava para ir embora, ele tinha um ardil para mostrar seu protesto: vinha por trás de mim, enfiava sua grande cabeça entre minhas pernas e levantava o focinho. Desta forma, impedia meu passo e eu não podia avançar. Tinha, literalmente, que desmontar dele para conseguir andar. Ele fazia a mesma coisa outra vez e outra vez, até eu alcançar a porta. Eu sempre ia com o coração na mão, pois sentia que ele queria mesmo que eu ficasse.

Tim foi dado de repente, pois mordeu meu irmão. Com isso, ele assinou o término de seu contrato com a família e foi dado a uma outra pessoa, que o levou para um sítio.

Eu não soube do fato e, quando fui visitá-lo, ele não estava mais lá. Nem pude me despedir...

Tim nunca me mordeu. Para mim, como o outro, foi sempre um verdadeiro cavalheiro e um amigo inesquecível.

Eu acho que tenho uma certa cumplicidade com os animais. Entre cachorros, gatos e canários não saberia qual escolher... e também fico na dúvida se quero ter bichinhos presos, mesmo que muito amados. Assim, não tenho nenhum deles por perto.

Quem sabe, um dia eu mude de ideia. Até lá, no entanto, sei que tenho lindas e gostosas recordações de todos que já enfeitaram minha vida.

E tem o Jota... mas sobre ele eu conto outro dia.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

CONTRASTES


Esta Copa está me aguçando a percepção de alguns contrastes. Não pude resistir. Mesmo para quem não está prestando muita atenção aos jogos (nem do Brasil), contrastes saltam aos meus olhos.

No dia do jogo do México contra o Brasil, pela orla de Copacabana, viam-se camisas verdes ou amarelas com o escudo da nossa seleção contrastando com o tom aguçado do vermelho mexicano. Estiquei meu olhar pela areia. As torcidas se misturavam espontaneamente amigáveis. E pensei na contrastante reação de nosso povo contra a presença da presidente no Estádio, na estreia dos jogos. Saí dali mais convencida de que o povo, hoje, está sabendo escolher melhor contra quem se irritar... um contraste socio-histórico.

Nós somos barulhentos. Não nego. Num restaurante, por exemplo, isso fica muito claro. Mas nosso barulho se torna insignificante diante do hilariante bulício de muitos de nossos visitantes. Hoje, no metrô percebi a estranheza dos cariocas diante do alarido em torno, alimentado por visitantes de alguns dos países vizinhos. Nada irritante, mas tão estrondoso que nos faz sentir cidadãos murmurantes.

Enquanto o estádio que agasalhou a torcida japonesa testemunhou uma arquibancada deixada impecável em limpeza e lisura, o estádio que recebeu a torcida inglesa teve suas cadeiras completamente destroçadas, como comemoração ao gol daquele país (e nós é que somos chamados de mal educados...).

Vejo também a diferença evidente entre o bulício de nosso bairro por toda esta semana e a festa quase histérica e hilariante que ocorre nos dias que circundam o Reveillon. Faz-me pensar no contraste existente entre um encontro esportivo saudável e cheio de vida e uma festa sem outro fundamento que não seja beber por um ano que se vai e beber mais ainda por um ano que se inicia. Os objetivos são tão diferentes, que se refletem desde o comportamento das pessoas até o tipo e quantidade de lixo que se vê espalhado pelas ruas.

Nossas ruas, por aqui, não estão enfeitadas como nas outras Copas. Vê-se uma ou outra bandeira, em algumas janelas. Aliás, nem sempre bandeiras brasileiras. Mas é só. Não tem nada a ver com as ruas de outrora, completamente enfeitadas e pintadas, com os mais diversos símbolos e caricaturas de jogadores. Contraste histórico!

Os tempos mudaram. Muito. Nosso povo está diferente.

E meu olhar também está diferente. Aliás... mais um contraste.

sábado, 14 de junho de 2014

COPA


Turistas. Muitos turistas. Copacabana está toda colorida. Vindo para casa, vi argentinos e brasileiros cantando juntos num bar. Ao menos isso: tão rivais e arqui-inimigos, somos irmãos fora do campo. Também vi camisas das mais diversas nacionalidades passeando pelas ruas e calçadas.

Muitas máquinas fotográficas. Muitas. E sorrisos brasileiros, num caloroso abraço aos que chegam. Coisa nossa. 

Tá bem, tá tudo certo no que concerne à irmandade dos povos.

Mas minha rua continua deserta. A esta altura, nas Copas passadas, ela  já estaria toda embaiderada, seu solo todo pintado com os símbolos dos jogos,  desenhos os mais diversos colorindo o grande muro branco da escola ao lado. Nada. Tudo limpinho. Nem bandeiras penduradas na janelas. Para não mentir, uma ou outra, vá lá... mas o cheiro de festa, de festão mesmo... nada.

Alguma coisa bem diferente (e saudável) acontece com o povo brasileiro. Somos calorosos, apaixonados. Ainda mais por futebol...

Até pode ser que, com o andar dos jogos, a animação invada nosso peito. Pode ser. Mas o colorido, com certeza, é outro.

Estou triste. Mas também estou contente. Há algo de muito podre no reino do Brasil e o povo sentiu. Sente. E espero que continue com o nariz aguçado.

Na abertura da Copa, a insatisfação não ficou ausente e veio à tona com fé. Ah... se eu fosse a presidente, juro que enfiava minha viola no saco e sumia. Sumia. E não me candidatava mais nem pra síndica de edifício...

É Copa, mas agora já não me inquieto mais. Pode até ser que o povo se empolgue com a vinda de vitórias. Merecemos. Mas não mais embaçarão a sensação de que estamos cansados de comer pizza.

Assim espero que seja.

E, enquanto espero, torço pela Copa das árvores.

Obs.: Foto retirada do Facebook, autor por mim desconhecido. Caso veja sua foto, por favor, se identifique para que possam ser dados os créditos.


sábado, 7 de junho de 2014

GENTILEZAS



Eu sou uma apaixonada pelas gentilezas cariocas.

A cidade pode estar um canteiro de obras "por causa da Copa e das Olimpíadas", pode ter um trânsito intransitável, um governo "sem comentários", problemas sociais, políticos, semânticos, contextuais.

Mas uma coisa ninguém tira da gente: esse jeitinho gentil e faceiro que não encontrei em nenhum lugar do mundo.

Na semana passada, pela primeira vez, fui fazer a recarga no meu cartão de transporte. As máquinas são novas e o sistema é simplérrimo, não tem o que errar. Mesmo assim, a cédula que eu colocava na máquina era devolvida. Coloquei novamente. Percebi que deveria ser o jeito de colocá-la e me preparei para tentar mais uma vez.

Um jovem, na máquina ao lado, estava super apressado. Mochila nas costas, gestos rápidos de quem está no último minuto do segundo tempo de seu jogo cotidiano.  Mesmo assim, de soslaio, percebeu minha atrapalhação. Na verdade, eu não estava prestando atenção à foto da nota, logo acima, com a posição correta.

O jovem deu uma paradinha, na sua "quase corrida" para sair dali. 

- Essa máquina só aceita se a cédula for colocada de frente e  pelo lado inverso. 

Ele me mostrou a posição correta, e esperou que eu acabasse a transação. Em seguida, completou: 

- Naquela máquina ao lado esquerdo, a senhora pode conferir se o seu saldo está correto. É só encostar o cartão na tela que ela faz a leitura. 

Mal deu tempo de agradecer, pois ele fez um gesto rápido de despedida e sumiu na multidão.

Passo por gentilezas como esta todos os dias.

Aqui, nem é preciso pedir. Se alguém percebe uma dificuldade, quase sempre dá um jeitinho de dar "uma mãozinha" (digo "quase", para confirmar o ditado popular de que "toda regra tem exceção... só para confirmar a regra").

São Carioca, rogai por nós! Se não for pedir muito, espalhai mais dessas gentilezas pelo mundo afora...