domingo, 27 de abril de 2014

E NÓS?


Somos uma sociedade em busca de igualdades: Inclusão, Escola para Todos, Sociedade para Todos... quanta terminologia...
Trabalhei com educação especial, especificamente educação de crianças surdas, preparando profissionais para atuarem na área, lutando por educação, saúde e inserção no mercado de trabalho.
Quantas e quantas vezes, fazer entender que igualdade só se estabeleça pela consciência da diferença, me fez ser "excluída" de grupos de trabalhos, inclusive governamentais. É que a política do discurso, sempre atropela a política do "fato".
Mas não comecei a escrever para fazer um discurso sobre a diferença das "chamadas pessoas especiais." Não que não ache válido. Fiz isso quase toda a minha vida...
Mas, hoje, na verdade, quero tratar do direito da mulher, que é uma pessoa muito especialmente lutadora por seus direitos. Mas será que o suficiente?
Nas grandes... nas pequenas coisas...
Desde a jornada de trabalho, que dizem ser dupla, mas que de fato é múltipla, na maioria dos casos da mulher. Posso falar, pelo menos, da maioria das mulheres brasileiras: profissional, dona de casa, mãe, esposa, amante, socialmente constituída como uma heroína. Eu não sei como uma mulher pode ser tão "múltipla"!
Outro dia vi um documentário de uma professora que resolveu entrar numa loja, pegar um urso de pelúcia e, acintosamente, sair da loja. Foi presa, evidentemente. E parecia que não queria sair da prisão, apesar de o marido ter contratado um excelente advogado. Ela se negava a falar com qualquer defensor.
Um caso assim, chama a atenção e o que eu vi, foi justamente, a entrevista. A professora, que tinha cara de professora, indubitavelmente -quem é professora reconhece uma igual... -, dizia que estava muito bem lá. Não aguentava ter uma pilha de livros na cabeceira, há anos, muitos CDs musicais para ouvir e nunca conseguir fazer nada disso. Chegava da escola e tinha de cuidar de tudo em casa: filhos, marido, provas para corrigir, compras da casa, etc.
Ali, na prisão, naquele silêncio, ela já havia lido Grande Sertão Veredas, já ouvira uns CDs maravilhosos (e cantarolou um trechinho de música para a jornalista), e não pretendia falar com advogado algum antes de acabar de ler a pilha de livros que trouxera, as músicas e descansar. Finalmente, se sentia livre para fazer o que mais desejava naquele momento.
Fico imaginando como o marido deve estar se virando com a tal "jornada dupla". Com certeza, não está tendo tempo para ir ao futebol com os amigos aos domingos e, tampouco, se refestelar diante da televisão quando chega do trabalho "tão cansado", sem condições de ajudar em qualquer coisa.
Dá para pensar... e foi pensando nisso que passei por uma praça e me deparei com um WC público.
Eu duvido que uma mulher possa se servir do WC que está exposto naquela praça. Nem uma mulher guerreira, como nós. Aquilo ali, evidentemente, é escrachadamente feita para o público masculino.
Ninguém, neste mundo das "igualdades" pensa realmente, na igualdade de direitos.
Como tudo que tem acontecido não só aqui, mas no mundo todo, estamos entupidos de discursos políticos e carentes de políticas de atuação.
Não estou querendo me referir aos lavatórios... é apenas uma foto. Há mil lavatórios belíssimos para ambos os sexos se visitarmos o mundo. Alguns até luxuosíssimos! Mas... lavatórios são o de menos. O problema continua o mesmo, aqui e em muitos países, mesmo os chamados "mais desenvolvidos". Os países que atuam na prática concreta do discurso da igualdade são realmente muito poucos, mesmo entre os tão chamados "desenvolvidos".
Mas a foto vale por si. Não apenas como provocação. Muito mais para evidenciar a reflexão:
Eu quero meu lavatório público, onde eu possa me descartar das mazelas femininas deste mundo de fachadas.

sábado, 12 de abril de 2014

TÚNEL DO TEMPO



Dispensada da vistoria do carro, pois estou de carro novo, fui pegar os documentos de renovação de licenciamento anual direto num dos postos do Detran.

Diziam que eu levaria 10 minutinhos para fazer toda a operação, depois de agendar pelo site. Diziam, mas, por via das dúvidas, reservei toda a parte da manhã. Para quem está acostumada com burocracias... vai que emperra?

Foi assim que desci na estação do metrô da General Osório em Ipanema, em busca do posto que fica na Barão da Torre, 50. Entrei distraída pela Jangadeiros e a memória da rua há tanto tempo esquecida, visitou meus pensamentos. À direita, um pouco antes do posto, o número 42. Lembrei-me imediatamente do número do apto, no primeiro andar. Lancei meus olhos nesta direção. Cortinas brancas enfeitaram meus olhos. As janelas ficaram lindas, vestidas de branco. Quem seriam os atuais moradores?

Passei boa parte da minha juventude frequentando aquele prédio, subindo as escadas rumo ao primeiro andar. Imediatamente o cheiro do bife à milanesa de minha ex-sogra invadiu minhas lembranças. O bife à milanesa mais gostoso que já comi, só superado pelo do restaurante de Milão, perto da praça da Catedral. Mas aí também é covardia: não dá para competir com os donos da receita...

Bife à milanesa com purê de batatas. Senti o gosto e a leveza quase imbatível, principalmente se dito por mim, que nem sou lá chegada a comilanças. Lembrei-me de domingos de almoços e tardes preguiçosas. 

Alcei os olhos para o penúltimo andar, onde morava o médico da família, um dos maiores e inesquecíveis amores de minha vida.

Andei mais uns passos e as lembranças me fizeram reviver o barulho desastrado dos engradados das garrafas de cerveja do depósito que ficava quase em frente ao prédio.  Um barulho seguido dos gritos enfadonhos dos carregadores. O depósito não está mais lá. A rua está calma e, na esquina, esconde-se um supermercado bem comportado e limpo.

A saída da favela, hoje chamada comunidade, não aparece mais ao lado do prédio, onde também existia um posto da CONLURB, que também não está mais lá. Agora, a entrada para a pobreza se esconde num vão muito bem disfarçado ao lado do magnífico prédio onde se instala a moderna entrada do metrô que sustenta um edifício com salas administrativas da prefeitura, espaçosamente bem distribuídas. Se não se presta muita atenção, passa bem despercebido o vão que esconde uma ruela, que leva à antiga favela. Mas a entrada  está lá e um olhar observador pode notar que, por traz de tanta ostentação, nada mudou.

Lembro-me, até hoje, do susto que levei, adolescente de 16 anos, entrando sozinha pela Teixeira de Melo e sofrendo uma ameaça de assalto. Na época, era bem perigoso andar por ali... Olhei ao longo da rua e me lembrei do encontro com o rapaz um pouco mais alto do que eu, canivete em punho, ordenando que lhe passasse tudo. Sem refletir muito, quase que instintivamente, apenas disse:

- Mas eu moro ali, no 42!

- Então passa, passa...

Sorri. Sempre há uma "ética" natural onde quer que você vá. Os marginais do pedaço não assaltavam os moradores daquele trecho... nunca mais me esqueci.

Entrei no prédio rumo ao segundo andar, onde se instala um novo Detran e... dez minutos depois (!) estava com a nova carteira na mão! Tinha dispensado uma manhã inteira por não acreditar na eficiência de nossos serviços. Tenho de confessar: muitos deles estão ficando ótimos, apesar de tudo...

Com o tempo ganho, em vez de pegar o metrô ali mesmo, pois havia passagem direta do Detran para a estação, preferi voltar para a General Osório e ver como estava o que ficara perdido num passado distante.

A Rua Teixeira de Melo continua igual. Com exceção do tal supermercado bem comportado, a aparência da rua continua praticamente a mesma. A loja de ferragens, a de material esportivo... como pode não ter mudado quase nada depois de décadas?!

Na esquina com a rua principal, Visconde de Pirajá, o supermercadinho antigo continua o mesmo. Lembro-me que Vinícius (o tal médico) o chamava de "pé sujo". Olhei de fora, não tive vontade de entrar. Continua o mesmo "pé sujo". Tentou dar um jeito, nota-se uma reforma, mas a alma continua a mesma. Nada atraente. Em plena Ipanema, é de se lamentar.

A praça me entristeceu. Cercada por um gradil em toda a volta, aprisionou igualmente o meu coração. Perdeu o charme, virou praça comum. Na minha época, era toda aberta, agasalhando a Feira Hippie aos domingos. Soube, depois que trocou de nome e agora se chama Feira de Artesanato. Mas é certo que as pessoas da minha geração ainda devem continuar chamando de Feira Hippie. Não quis atravessar a praça. As grades me incomodaram.

Era terça-feira. Sorri reconhecendo a feira ao ar livre, que marca a sua presença semanal, como há tantos anos atrás.

Do outro lado da praça acabei por visitar o novo e conhecido "supermercadão". Quer dizer... novo para mim... ele já é falado há anos, por sua pizza impecável.

Eu gosto de pizza. Quem me conhece, sabe que gosto. Aliás, sou bem exigente em pizzas. Não poderia deixar de provar essa. Afinal, tão falada...

Que decepção! Continuo achando que, apesar de carioca confessa, pizza tem de ser mesmo a paulista.

Retornei contornando a praça, em busca da estação do metrô. Já havia feito a minha tournée.

Ao subir a escadaria da estação, me virei para uma boa olhada panorâmica pelos arredores... pelas lembranças... e tirei uma foto descontraída, sem pensar que acabaria escrevendo um conto.

Saudades? Nenhumas. Apenas recordações.

Me enfiei escada abaixo em busca do Túnel do Tempo.

Em quinze minutos estava no presente, com a documentação renovada, caminhando pelo meu calçadão de Copacabana.

O sol, batendo em meu rosto, me mostrava como é bom visitar o passado e me sentir renovada no presente.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

APARÊNCIAS



Outro dia, conversando com uma amiga portuguesa, comentei como, aqui no Rio, as calçadas portuguesas estão longe de serem planas.

Ela apenas comentou: 

- Na foto, aqui e lá, todas são planas. 

E não disse mais nada.

Fiquei imaginando como andam as calçadas portuguesas em Portugal. O que ela teria querido dizer com isso? Mas na hora, a conversa estava tão animada para outros assuntos que não me aprofundei na questão.

De qualquer modo, fiquei curiosa e só para conferir, tirei uma foto de nosso magnífico mas completamente não-plano e cheio de falhas calçadão da Av. Atlântica. A constatação conferiu: na foto, todo chão de pedras portuguesas parece lindo e plano...

Comentando sobre isso com um geólogo e grande amigo de papo, ele observou: 

- Isso não tem muita solução. Nosso solo, principalmente na zona litorânea é arenoso. Não tem como garantir uma qualidade de vida das calçadas por muito tempo. O solo cede a todo instante. 

Estava pensando nisso, ontem, na ida para meu consultório e fui olhando para o nosso desacertado chão da Rua Barata Ribeiro, meu roteiro cotidiano. Não são apenas as partes com pedras portuguesas. O chão, mesmo nas áreas de cimento batido, não é plano. Olhei com mais cuidado em volta. As grandes árvores, em seu silêncio exuberante, entortam o solo, para fazerem crescer suas raízes. Há buracos também. E há descuido administrativo... mas o que me chamou maior atenção foi mesmo a silenciosa ondulação do solo provocada pela natureza: solo arenoso, raízes das árvores...

Palmilhando meu dia-a-dia e aguçando meu olhar para essa natureza aprisionada no solo, sem respeito ou cuidados, fico imaginando o que fizemos conosco... o que estamos fazendo com o que de mais belo temos a nossa volta, com essa exuberância florida, com os animais presos em apartamentos - cães enormes morando em cubículos conjugados, pássaros em gaiolas, flores ceifadas de jardins e, na maioria das vezes, tratadas descuidadamente para murcharem em apenas um dia em vasos de cristal...

Acho que estamos nos perdendo de nossas almas e nem nos damos conta disso...