sexta-feira, 28 de março de 2014

O PASSARINHO ESTÁ CERTO



Outro dia, me deparei com esta frase de Eduardo Galeano:

"Os cientistas dizem que somos feitos de átomos, mas um passarinho me diz que somos feitos de histórias."

Os cientistas que me desculpem, mas o passarinho está certo. De que serviriam os átomos, perdidos no não-imaginário de nossas vidas? De que eles serviriam, senão para serem estudados pelos cientistas?

Não... o passarinho está certo: somos, indubitavelmente, feitos de histórias...

sexta-feira, 21 de março de 2014

ONDE É QUE FICA?


Houve tempo em que as pessoas tinham mais tempo.

Quando perguntávamos a um transeunte "onde é que ficava" uma rua, por exemplo, com muita frequência, o cidadão começava uma explicação e acabava por dizer:

- Peraí, eu te levo lá.

Hoje, o mundo não dá mais espaço para tanta gentileza. Não por falta da gentileza... é mesmo por falta de tempo e também de "ter tempo" para olhar o outro como reflexo de nós mesmos. 

Vim para casa, pensando nisso, justamente porque eu tinha acabado de levar um transeunte a uma rua meio escondida e pouco conhecida de Copacabana. Ele ficou tão agradecido que até estranhei:

- Muito, muito obrigado. Hoje em dia não se faz mais dessas coisas!

Hoje em dia...

O cidadão tinha mais ou menos a minha idade. Com certeza, ele participara do "ontem em dia", quando isso era mais comum.

Entendo perfeitamente as exigências da vida moderna. É... não dá mais tempo para você levar um transeunte no lugar que ele deseja... parece que os dias não tem mais tantas horas quantas as necessárias para nossos afazeres.

Na verdade, nem me refiro ao simples gesto de acompanhar um transeunte a seu desconhecido local de destino. Não, não é isso... aliás... longe disso...

E... do "onde é que fica a rua" para o "onde é que fica a nossa alma", foi um pulo de pássaro em minha mente...

E vim fazendo companhia a minha alma, nessa urbe volumosa, onde não temos mais tempo sequer para olharmos no espelho de nós mesmos, devagar, todos os dias, como necessário.

sábado, 15 de março de 2014

TEM GENTE



Tem gente que combina um encontro com você com mais de um mês de antecedência e você nem precisa confirmar na véspera: ela estará lá; tem gente que você combina na véspera e, no dia, antes de sair para o encontro, é melhor dar uma confirmada para ter certeza de que não levará bolo.

Tem gente que te olha uma vez e você guarda aquele olhar para o resto da vida, sem nem saber o nome da pessoa; tem gente que você vê todos os dias e, por incrível que pareça, tem a sensação de que nunca viu.

Tem gente que passa por você com nariz empinado, cheio de riquezas e, mesmo que te trate muito bem, transparece não ser nada na vida; tem gente simples que passa, te dá aquele sorriso gostoso de bom-dia e você tem certeza de que viu a verdadeira nobreza da existência.

Tem gente que precisa da gente e sabe ser muito gente quando a gente precisa; tem gente que não.

Tem gente que nem olha para os animais, se esquecendo de que os humanos são animais também... e tem bicho que parece gente: minha canária, a Neguinha, era assim.

A gente foi feita para ser o melhor tipo de gente. Por que não conseguimos nos entender como gente?

O que será que deu na gente?

sexta-feira, 7 de março de 2014

QUANDO TEM DE SER...



Aposentada em 2003, finalmente poderia me aprofundar em minha nova profissão como terapeuta complementar, com especialidade em Reiki.

Fizera o meu primeiro "mestrado" em Reiki, em 1998, mas como ainda trabalhava na Universidade, tinha muito pouco tempo para dedicar-me a esses estudos.

A partir de 2003, no entanto, estava disposta a fazer com o Reiki tudo que fizera com Linguística: estudar e me dedicar profundamente. Comecei fazendo vários cursos e iluminando as prateleiras de minha sala de estudos com os mais diversos livros sobre o assunto.

Foi quando me deparei com os livros de Frank Arjava Petter, mestre alemão. Apaixonei-me imediatamente pelo estilo, seriedade e conhecimento com que tratava o assunto, como ocorre quando um alemão resolve se dedicar a qualquer tipo de estudo. 

Pela minha mente passou, com a leveza do desejo sincero, mas sem maiores expectativas, a vontade de conhecê-lo e fazer cursos com ele. Mas era só um sonho, que se acalenta uma vez, num minutinho perdido da vida. Ele dava cursos na Europa, em alemão e em inglês. Alemão, nem pensar, língua belíssima, mas da qual não consigo ler nem capa de revista. E não tenho inglês suficiente para fazer um curso em profundidade contando só com essa língua. Que pena. Foi apenas o desejo de um segundo. 

Mas dizem que, quando a gente diz ou pensa algo e existe uma força interior intensa, se calha de um anjo do céu dizer "amém", a coisa acontece. Eu ouvia isso, quando pequena, lá no colégio das freiras, ameaçando-nos em nossos desejos e pensamentos. 

Eu nunca acreditei e, por isso mesmo, apesar dos "avisos ameaçadores", não me lembro de ter ficado vigiando pensamento algum. 

Mas... se esse anjo existe, quando pensei no Petter como meu mestre, o tal anjo disse "amém". 

Conto como foi:

Em maio de 2004, recebi um mail e até hoje fico me perguntando de quem, pois não sei como caiu na minha caixa postal. Era uma chamada para um curso de "mestrado" de  Reiki, com Arjava Petter, em Buenos Aires, 22 vagas. Detalhe: tradução consecutiva para espanhol. Que maravilha, um presente dos deuses! Eu estaria exposta às duas línguas e como a tradução era consecutiva, poderia ouvir diretamente em inglês e "conferir" com o espanhol. Melhor do que isso, só se fosse verdade.

Escrevi imediatamente para a organizadora do curso. Infelizmente, vagas preenchidas. Perguntei se eu poderia ficar na fila. Sim, poderia, mas as chances eram mínimas. Havia muitos com o mesmo intuito. 

Quis ficar mesmo assim. Estávamos em maio e o curso era em novembro. Afinal, o mail caíra na minha caixa postal... não era para se desperdiçar. Por via das dúvidas, disse a ela que, se ele voltasse  a Buenos Aires, em outra ocasião, independente de mês ou ano, eu já estaria me inscrevendo. E passei a escrever-lhe todos os domingos, só para que não se esquecesse de meu interesse.

Num desses domingos, após ler os mails, desliguei o computador, vesti minha roupa de praia para ir à minha "missa carioca" e, quando já estava de saída, me lembrei:

- Chi... não escrevi para a Marita... não faz mal, escrevo na volta.

Saí, tranquei a porta, mas um pensamento rebelde me cutucava: 

- Vai lá, escreve logo, depois você sai.

Ai... estou perdendo o meu sol... mas acabei cedendo, abri a porta, liguei novamente o computador e escrevi o mesmo mail de sempre:

- Olá, Marita, como está? Estou escrevendo para saber se já consegui andar mais um pouquinho na fila de espera.

Por coincidência, ela estava on line e me respondeu imediatamente:

- Tem de ser você. Pode se inscrever.

Parecia um chat. Respondi imediatamente:

- Por quê? Chegou a minha vez?

Achei muito estranho, pois, no domingo anterior, havia muitos na minha frente. Mas veio, igualmente, uma resposta pronta:

- Eu não discuto com evidências. Acaba de haver uma desistência e, na linha seguinte da minha caixa postal, entrou o seu mail. A vaga é sua.

Fiquei olhando para a tela estatelada. As esperanças eram tão poucas que eu nem estava preparada financeiramente. Mas não poderia perder a oportunidade que caía nas minhas mãos! 

- Você pode esperar por 24 horas para eu conseguir a passagem e te responder?

- Sim.

Saí dali aos trancos, peguei meus direitos de milhas aéreas e me mandei para a VARIG, uma agência que existia bem perto de casa. Esperei ansiosa com minha senha nas mãos.

- Quero trocar minhas milhas por uma passagem de ida e volta a Buenos Aires, em novembro. 

O atendente verificou o sistema. Para os portadores de milhas, eles ainda tinham vaga para um dia antes de começar o curso e volta dois dias depois.

- Quero, respondi ao mesmo tempo aflita e aliviada.

Voltei para casa voando:

- Marita, consegui a  passagem, mas ainda não tenho o dinheiro para pagar o curso. Quanto tempo você me dá?

Estávamos em agosto e ela estava recebendo meus mails dominicais desde maio.

- Depois disso tudo, pode me pagar quando chegar aqui. Em dólares. 

Eu nem acreditei. Ela nem me conhecia!!! Eu não podia imaginar que esse era o primeiro momento de uma grande amizade que marcava seu ponto ali.

De agosto a novembro, tinha de arranjar dinheiro suficiente para fazer o curso, pagar estadia e me alimentar.

Tudo bem. Deixei chegar o final de outubro, vendi o carro e fui.

Encontrei um grande mestre, depois de tantos outros pelos quais eu já havia passado, num número de cursos sem conta que já fizera até ali. 

Arjava Sensei é meu mestre de Reiki, até hoje. De lá para cá, voltei várias vezes a Buenos Aires por causa dele. Consegui, no entanto, convencê-lo a vir ao Brasil e arranjei um organizador de cursos. Ele veio de 2006 a 2011. 

Assim, de 2004 até 2011, vi-o todos os anos, bebendo de sua sabedoria. 

Em 2010, vi-o duas vezes: uma vez na Colômbia - desta vez, não precisei vender outro carro - e outra no Brasil.

Na Colômbia, em maio, tive o privilégio de fazer o curso com ele e Tadao Sensei, seu mestre (!).

Foi também o ano em que me tornei Shihan, pelas mãos de Arjava Sensei, aqui no Brasil, em setembro. 

Os encontros só foram interrompidos em 2011, porque ele não veio à América do Sul e em 2012, porque sua vinda ao Brasil foi suspensa na última hora e não deu tempo de alcançá-lo em Buenos Aires. Mas... deste ano, não passo. Sei que irá a Buenos Aires. Se não vier ao Brasil, já estou com minha bússola voltada para lá.

Se, naquele domingo, eu não tivesse voltado para escrever o mail, provavelmente não teria feito o curso... e minha vida, talvez, tivesse sido completamente diferente de lá para cá!

Quando tem de ser...


Obs.: Em Reiki, Shihan é o termo que designa o instrutor com licença de dar cursos para formação completa de terapeutas. Neste caso, representantes do Instituto de Jikiden Reiki, do Japão.