sábado, 26 de janeiro de 2013

G P S





Outro dia me lembrei de quanto um bom GPS é importante... se você leu o conto “Serial Killer”, sabe de minhas desastrosas experiências com esse bichinho maluco. Mas, na verdade, dou a mão à palmatória...

Estava em São Paulo, no carro da Cris, sobre quem também já escrevi um conto. No banco de trás, vinha sua filha mais velha, na época, com uns dezoitos anos, se não me engano.

O problema é que Cris estava enrolada para chegar a um determinado lugar. Em São Paulo, de carro, isso é coisa séria... e... complicada.

H... (a filha), no entanto, não se apertou:

- Peraí, vou consultar o GPS. Pegou o celular e ligou para casa.

- Pai, estamos em (...) e queremos chegar em (...), mamãe, não sabe... como fazemos?

Do outro lado da linha, as instruções.

Fiquei imaginando o pai, consultando o GPS em casa e dando instruções através da filha. Achei impressionante a força da tecnologia: um celular que acessa o pai, que acessa o computador, que acessa o GPS e... nos coloca exatamente onde queremos. Mesmo assim, achei estranho a filha não acessar o GPS direto de seu celular... mas apenas comentei com a Cris:

- Que sorte ele estar em casa!...

Quem conhece a Cris, sabe do timbre e jeito de sua gargalhada. E foi o que ouvi, em alto, gostoso e bom som. Depois me explicou:

- É que temos um GPS especial, que podemos acessar onde quer que ele esteja!

- Como assim?

Cris se vira para a filha e diz:

- Filha, traduz para Lali o que significa nosso GPS.

E a filha despretensiosa (escondendo seu orgulho filial):

- Ora... Garanto que Papai Sabe.

Com uma família dessas, é claro que ainda é possível acreditar em filhos que tenham seus pais como referência...

Muitas coisas, nesse mundo, ainda fazem toda diferença...

sábado, 19 de janeiro de 2013

MOÇO MESA




Braga, Minho – Portugal, 1975.

Fiquei sem ver meu pai dos 11 aos 24 anos de idade e esta mesa foi a primeira que vi posta, em sua casa, no dia em que cheguei.

Ele havia subido para o seu quarto para refrescar-se do que chamava o verão de Braga (para mim, um verão gostoso e cheio de vida), enquanto a jovem governanta, prestimosa, fazia as honras da casa. Colocou sua sopa no prato e, enquanto sua auxiliar se preparava para servir os outros pratos, ela fez menção de chamá-lo para o jantar.

Foi nesse instante que, não sei por quê, tomei a dianteira, pus-me ao “pé da escada”, como eles diriam, e gritei lá para cima:

- Papai, moço mesa!

Um eco do passado, muito, muito distante... Era assim que o chamava, em São Paulo, quando tinha pouco menos de dois anos de idade, toda vez que minha mãe me mandava avisar “que o almoço estava na mesa”. Eu só sabia disso porque, ainda pequena, ele sempre comentava o fato comigo. E, na despedida, quando me disse que voltaria para Portugal, ainda havia me lembrado:

- Você era tão pequena, falou tão cedo... Me chamava para o almoço ou para o jantar se debruçando “ao pé” da escada que dava para o meu laboratório e gritava: “Papai, moço mesa”. E... agora... já está tão crescida...

Talvez por ter sido essa a última lembrança que tivera, de tantos anos atrás, que tentei, assim, resgatar não sei o quê de anos passados, perdidos no tempo.

Só hoje, já avó e, por isso  mesmo, sentindo o que uma criança é capaz de fazer aos nossos anos já tão vividos, é que posso entender sua silhueta a olhar-me lá de cima, a descer devagar e a tentar reconhecer, naquela jovem de 24 anos de idade, a menina tão pequena, mas já não tão inocente.

Lembro-me como em um retrato, do homem duro e inflexível, embora curvado pelos seus setenta anos, sorrindo e descendo os degraus devagar, escondendo a voz meio embargada pela lembrança dos anos:

- Já vou... já vou...

Ser avó, é viver ou reviver profundamente. 

E mesmo que a vida tenha mostrado muitos dissabores... lembrar... e sorrir!

sábado, 12 de janeiro de 2013

SÓ RINDO




Com todo respeito à tradição cultural dos grupos sociais (e aqui me refiro aos grupos familiares), tem umas coisas que acontecem que... só rindo.

Estava eu em Buenos Aires, em plena e completa “orgia interna” de deleite por dias de paz, descanso e gratidão à vida, entre as ruas Paraguai e Callao, centro da cidade, em busca da Avenida Nove de Julho. Para quem não conhece a cidade, estava caminhando por aquelas ruas largas, cheias de contrastes e aconchegos, num dia luminoso e festivo, com ares de sedução. Tudo se encaixava, eu caminhando para um delicioso encontro amoroso, a alma leve e solta.

Toca o celular, número desconhecido.

- Eulalia, aqui é a C... .

- Conferi a lista de minha memória. Este nome só combina com uma irmã de vida, que mora em São Paulo. Não era o timbre da voz dela. Quem poderia ser? Chequei minha lista de clientes, num rápido segundo. Ninguém.

- Quem?

- A C..., mulher do F... .

- Eu não me lembrava de nenhum homem com aquele nome. Será que Buenos Aires tinha um hipnótico ou anestesiante remédio para tudo que não lembrasse trabalho ou desprazer? Descobri imediatamente que sim.

- Quem?

- F... N... , seu primo.

Ah... a memória funcionou. Trata-se de um primo, com quem não falo há uns 30 anos. A família mora em São Paulo. Quanto à distinta senhora, eu a encontrara umas pouquíssimas vezes na vida, talvez em seu casamento (há décadas atrás... eu ainda bem moça) e umas raras vezes depois, talvez num último contato há uns vinte e cinco anos, no mínimo. A vida me fizera morar no Rio, desde os dois anos de idade incompletos. Quase não convivi com meus parentes paulistas, distantes desde a mais tenra infância. Tive mais contato com um primo, irmão deste “tal”, cuja lembrança, sim, guardo com carinho até hoje, pois morou algum tempo no Rio e nossos encontros foram sempre muito gentis. Uma outra prima que apareceu vez por outra na vida... mas só.

O que teria acontecido? Um telefonema assim, único, duas ou três décadas depois? Ademais, de uma pessoa que nem era parente direta, quase não nos falávamos... pensei no que me pareceu óbvio: o contrato social de avisar por morte de algum parente. Não podia atinar com outra coisa. Mesmo assim, não fazia muito sentido! Eu tenho outros parentes mais próximos que poderiam, se fosse o caso, se encarregarem desta tarefa. Mas aguardei o que teria a me dizer a distinta senhora:

- Oi, C..., como você vai?

- Estou no Rio. Vim passar o Reveillon aqui.

-Ah, sim?

- Onde você mora?

Toda minha família sabe onde moro há anos... que pergunta esquisita... bem... eu poderia ter mudado de endereço...

- Em Copacabana, mas no momento, estou em Buenos Aires, passando férias.

- Ah...

Notei um lapso de tempo, antes que ela continuasse:

- Estou ligando para saber de que morreu o E... (nome do meu irmão mais velho).

Ainda bem que meu cérebro funciona com relativo bom senso diante dessas intempéries. Não tão rápido quanto desejaria, mas posso contar com um mínimo de bom senso. Que pergunta era essa, vinte anos depois do falecimento do meu irmão mais velho? Busquei nas entranhas de meus músculos cerebrais algo que pudesse fazer sentido: uma pessoa casada com um primo distante, me liga no final do ano, estando no Rio para o Reveillon, pergunta onde moro e, quando digo que não estou no Rio, diz que me ligou para saber do que morreu meu irmão mais velho, após vinte anos de seu falecimento.


Será que eu estou doida? Em vinte anos, ninguém de São Paulo quis saber do que morreu meu irmão. Aliás, ninguém quis sequer saber de mim. Ninguém havia entrado em contato comigo desde então. Que piração seria essa? Mas tudo se passou num segundo, inclusive o dito popular:

... “família... só em álbum de retratos”... 

Na verdade, nem penso assim, pois adoro a família que se compôs para mim, nesses últimos vinte anos. Adoro cada um, em seus mínimos detalhes de qualidades e defeitos, por amor sincero de quem aprendeu as deliciosas manias de amar com doçura, confiança e gratidão à vida. Amo essa família que se fez aos poucos à minha volta (e eu à volta deles...). Quero ter álbuns e álbuns de fotos de cada um desses detalhes, provando que família é família, seja de sangue ou não. E a minha, criada desse amor generoso e gentil, passou a ser o sangue azul  que corre em minhas veias hoje.

Isso tudo passou como um relâmpago em minha mente, possa eu mesma acreditar ou não.

Mas, do outro lado da linha, eu tinha uma “prima” que, sinceramente, à falta de melhor assunto, resolvia dizer que me ligava apenas para saber “do que tinha morrido meu irmão mais velho, há vinte anos atrás”. 

- C..., não entendi porque você está me ligando agora. Estou dizendo a você que estou no meio de uma rua, em Buenos Aires, de férias e você quer que eu pare tudo, aqui e agora, para lhe contar como morreu meu irmão, há vinte anos atrás? Você tem meu telefone, espere que eu volte para o Brasil e me liga outra vez, tá? Aí a gente conversa.

- Tá (e desligou, sem se despedir).

Na verdade, nem sei como ela conseguiu o número de meu celular. Mas no mundo atual, o que não se sabe com o papai Google à espreita, não é mesmo?

Voltei para o Brasil há quase duas semanas. Ela sequer me perguntou quando eu voltaria. Sua incrível curiosidade pela razão da morte de meu irmão, ao que parece, se desvaneceu no tempo e no espaço.

Infelizmente, em sua vinda ao Rio para o Reveillon, sua “prima” carioca, não estava para recebê-la... para contar como morrera seu irmão mais velho, que ela pouco conheceu.

Mas, sinceramente, espero que tenha passado um excelente Reveillon no Rio, curtindo a praia de Copacabana, como fazem os turistas que acorrem a esta lindíssima cidade, principalmente nesta data.

Cotidianos inesperados, inusitados, saídos da cartola do absurdo, que parece que acontecem só para eu ter mais um conto para postar para vocês.

No fundo, no fundo, acho até que me diverti.

sábado, 5 de janeiro de 2013

QUANDO O TREM...


Minha ida a Buenos Aires para passar um "rato”*, deu aquele tipo de suporte de que precisamos ter, vez por outra.

Mudar os rumos das caminhadas, relembrar lugares de sonho percorridos é do que minha alma e meu corpo precisam, nos momentos mais desavisados.

Se você leu o conto “Logo ali” sabe o quanto Buenos Aires me seduz.

Cheguei ao hotel às 15 horas e deixei a pequena mala jogada na cama. Com “ganas” de sorver a alma deliciosa da cidade, saí como estava, em direção a Puerto Madero. Depois, caminhar, tirando as fotos que tanto amo, passando por lugares conhecidos, descobrindo outros, sem pressa, a pé. Uma caminhada que me tomou cinco horas seguidas, sem que eu me desse conta.

Tempo para confiar na resistência do corpo, descansar a alma e deixar que o pensamento solto, neste primeiro dia de pequenas férias, seguisse seu rumo sem direção. Nestes momentos, na verdade, o rumo certo é mais para dentro de mim mesma do que para fora. Com o encantamento de um lugar que se ama então...

Foi com essa sensação de calma e abandono do estresse do cotidiano que a linha de ferro de Puerto Madero me surpreendeu. A linha, o trem, o momento... tão rápido como o pensamento, tão agudo quanto um relâmpago. 

Invadiu-me um ditado popular saído não se de que cartola do meu inconsciente: “uma luz no fim do túnel”.

Não havia túnel ali, mas havia a linha, havia o trem. 

Quantas vezes me deparei com o complemento funesto deste ditado: “quando viu uma luz no final do túnel, era um trem em sentido contrário”.

Quantas e quantas vezes, para todos nós, esta suposta luz nos iludiu e nos atropelou. A mim, muitas... muitas...

E eu estava em Buenos Aires, na linha do trem e com um trem. E tudo se esclarecia como num relâmpago de luz.

Onde quer que se esteja, quando um trem vem em sentido contrário, não tem jeito: é deixar passar.

Se focarmos nossa imagem apenas no trem, não conseguiremos ver senão a ele (e não a linha que, por trás dele, se esconde), um trem que oculta, por momentos, nossa direção.



(Obs.: * "rato" - tempo curto, rápido)