sábado, 28 de janeiro de 2012

VARIG


Amo a VARIG. Hoje acordei pensando nela.

Me lembrei, também, da história de um famoso político. Diziam que ele tinha uma memória prodigiosa e conseguia se lembrar dos nomes de quase todo mundo que encontrava. Contam que, um dia, ele se encontrou com um eleitor:
- Oi Fulano, como vai? E a Senhora Dona X, sua mãe?
O eleitor muito sério:
- Ora, não se lembra? Eu lhe disse que ela morreu. E já tem mais de um ano!
O tal político não perdeu a pose:
- Morreu para você, filho ingrato. Para mim, estará sempre viva em meu coração!


Pois é. Amo a VARIG, em cada milímetro do meu cérebro e do meu coração. Quem a conheceu e conviveu com ela sabe: a VARIG não era apenas uma empresa aérea... ela estava encarnada em cada funcionário. Estar na VARIG era praticamente, voar em casa. O sorriso da VARIG era diferente, porque vinha de dentro para fora, da alma para o coração, do coração para o gesto.

Acho que ficaria umas semanas só contando histórias sobre a VARIG... e algumas delas pareceriam contos irreais. Mas é que, muitas vezes, a verdade parece fábula mesmo...

Acordei pensando em viajar novamente. Foi aí que me deu aquela saudade da VARIG. É que os comissários de bordo, por exemplo, embora gentis, solícitos e simpáticos não conseguem ter o jogo de cintura tão conhecido da companhia aérea do meu coração.

Lembro-me, por exemplo, de um de meus últimos vôos no ano passado: serviram uma refeição e, como não tenho o hábito de comer carne, não me encaixei na única opção de alimentação: massa com carne. Não tinha nem como separar uma coisa da outra - todo o molho era de carne. Agradeci e apenas perguntei:

- Há alguma opção possível para quem não come carne?

- Lamentamos, não.


Bem, eram algumas boas horas de vôo. Mas ninguém morre se não comer nada, mesmo sendo vôo internacional. Pedi apenas algo para beber e a sobremesa que, diga-se de passagem, não era lá essas coisas. Não encostei no prato e me preparei para uma leitura, melhor maneira de passar o tempo, em vôos diurnos, a meu ver.

Passados uns vinte minutos, uma outra comissária apareceu “do nada” com uma bandejinha improvisada e, sorrindo, me ofereceu:

- Foi o melhor que pude conseguir. Espero que esteja do seu agrado.

O “espero que esteja do seu agrado” era simplesmente um improviso muito bem arranjadinho: um pãozinho com queijo, embrulhadinho, ao centro; um saladinha de frutas, no canto esquerdo, manteiga e geléia, no cantinho direito. Melhor que isso, só se tivesse uma florzinha. Não resisti. Olhei-a bem no fundo dos olhos e sussurrei a pergunta:

- Você foi da VARIG não foi?

Ela sorriu, acenou com a cabeça. Não foi preciso dizer mais nada.

Nas minhas conjecturas, fico imaginando que, do mesmo modo que eu sinto falta do “sabor VARIG de viajar”, os antigos funcionários, quem sabe, também sintam falta do “sabor VARIG de trabalhar”. É claro que, infelizmente, pelo andar da carruagem, essas gentilezas, essa forma cúmplice de mútuo bem estar, se perdeu ou se perderá, diluído no tempo, pela forma objetiva, prática e impessoal que as outras companhias apresentam. Não que não sejam gentis, não que não sejam competentes, agradáveis, prestativos. Quase todas são, com o que se supõe ser o devido treinamento adequado. Mas sinto isso como treinamento, não como uma forma de fazer parte de uma família, o que faz, do trabalho, uma forma boa de viver.

Por que digo isso? Por que fui professora de muitos funcionários da VARIG. Aliás, mais do que eu poderia imaginar. Quantas e quantas vezes, via alunos e alunas entrando em minha sala de aula ainda uniformizados, muitas vezes atrasados:

- Desculpe, professora, acabei de chegar do vôo.

Uniforme, malinha de viagem e livros, tudo num volume humano só. Cansados, mas... felizes. Tive algumas oportunidades de conversar com eles:

- Escolheu Letras por quê? Quer mudar de profissão? A VARIG é um degrau até a sua graduação?

- Não, professora, estou cuidando de meu futuro. Quero subir na empresa. O objetivo final é conseguir as escalas dos vôos internacionais.

- Você gosta tanto assim de viajar?

- Gosto, mas, acima de tudo, trabalhar na VARIG é o que conta. Você não imagina o que é trabalhar lá.

- E como você faz para conseguir estudar com tantos vôos?

- Ué, você mesmo vê. A gente se vira!


Não ouvi isso de um ou dois alunos, mas de vários. E, vezes sem conta, ouvi o quanto eles gostavam da empresa, do que era ser de lá. Fora alunos, tenho duas amigas que foram funcionárias da VARIG. Uma saiu porque se aposentou, outra porque a VARIG acabou.

Deduzi que este amor pela empresa só poderia ter, como conseqüência, esse tratamento tão extraordinário aos clientes. Um funcionário excepcionalmente satisfeito, só poderia nos tratar tão bem quanto visitas em sua própria casa. Mas é que tinha mais: na verdade, eles sentiam como se a empresa fosse deles e não eles da empresa. Faz toda diferença...

Gostaria de contar uma passagem em especial, a da minha volta de Portugal, trazendo meu pai a tiracolo, para morar no Brasil. Se você leu o conto “Golpe de mestre” sabe a que aperto me refiro: meu pai, mal convalescente, precisando enfrentar uma viagem tão longa...

Na verdade, antes mesmo de embarcar para Portugal, eu já havia levantado a hipótese de traze-lo. Assim, desde aqui, já tinha me dirigido à VARIG para perguntar que tipo de apoio poderia ter deles. E já sabia: eles dariam todo o apoio, desde que ele estivesse em condições de viajar e com o aval escrito de um médico responsável.

Assim, uma vez em Portugal e tendo recebido todos os cuidados necessários durante dez dias, o médico disse que ele estaria, sim, pronto para enfrentar a viagem, desde que seguisse todas as recomendações tão logo chegasse aqui. Ok. Ao comprar as passagens e com a declaração do médico nas mãos, pedi a ajuda para o apoio necessário. O que ouvi, foi o seguinte:

- Estamos prontos para prestar toda a ajuda necessária, desde que ele atravesse a Polícia Federal em pé e sozinho, ou seja, sem a nossa ajuda. Não podemos interferir nesta etapa, não com apenas esta documentação.

Em outros termos, para ser considerado um passageiro doente, a burocracia do aeroporto e dos vôos era tamanha, que era mais fácil considera-lo um passageiro comum, isto é, desde que o médico assim achasse conveniente.

Meu pai era, antes de tudo, um osso duro de roer. Desses portugueses de antigamente, que estão doentíssimos agora e, de repente, não se sabe como, estão de pé. Pois é. Na véspera, ainda fui à VARIG. Me encaminharam para uma salinha para que eu explicasse as condições em que eu achava que meu pai se encontrava. Disse-lhes que estava bem, mas que seria custoso, por exemplo, movimentar-se muito, levantar-se, enfim, exigir esforços mais do que o mínimo necessário. Fui encaminhada para outra sala e uma jovem senhora me aconselhou, então, que alguns cuidados fossem tomados: enfaixar as pernas, para evitar que inchassem, se o médico achasse aconselhável. E, por via das dúvidas, quem sabe, que ele usasse fraldas, pois não precisaria levantar-se mais do que desejaria, se fosse o caso. Ainda me perguntou que tipo de alimentação poderia ingerir. Todos esses cuidados jamais seriam pensados por mim. Detalhes desse tipo me foram solicitados. E, diga-se de passagem: não estávamos voando pela primeira classe... era pela econômica mesmo...

Preparei-me, enfim, para a novela “aeroporto”. Pensei com meus botões: a gente passa pela Polícia Federal, eu procuro o balcão da VARIG e, lá na área internacional, a gente vê que tipo de conforto poderemos conseguir até o vôo.

Chegamos ao aeroporto e, no check in, a primeira identificação:

- Sr. Joaquim Pereira Vianna, seja bem-vindo ao nosso vôo. Temos anotado, aqui, um atendimento prioritário. Faremos tudo para que tenha uma boa viagem. Assim que passar pela Polícia Federal, estaremos atentos a suas necessidades.

E qual não foi a minha surpresa: tão logo passamos pela Polícia Federal, quase tropeçamos naquele tão conhecido uniforme, ostentando o crachá da VARIG. O jovem funcionário estava ali, a postos, com uma cadeira de rodas e aquele sorriso acolhedor:

- Daqui por diante, seu conforto está sob nossa responsabilidade.

Estávamos quase na hora do vôo, o que significou pouquíssima espera. Logo meu pai foi levado pelo gentil rapaz para que fosse acomodado antes de todos os outros passageiros, com calma, conforto e segurança e, principalmente, sem atropelos. Logo depois eu fui chamada, pois meu lugar era ao seu lado. Assim, fomos os primeiros a embarcar, meu pai à janela e eu ao seu lado. Antes do embarque dos demais, uma comissária de bordo se apresentou:

- Estarei atenta a este jovem senhor, disse sorridente. Chame-me sempre que achar necessário.

O “jovem senhor” tinha apenas oitenta e dois anos... delicadeza que não se consegue com treinamento. É natural mesmo...

O vôo era diurno e não preciso dizer que meu pai foi servido sempre em primeiro lugar e, volta e meia, a tal comissária sorridente e acolhedora estava ali, com alguma coisa, um pouquinho de água, uma toalhinha úmida para o rosto por causa do ar condicionado:

- Não vamos querer nenhum sinal de desidratação não é mesmo? É melhor beber sempre um pouquinho de cada vez, para o senhor não se sentir desconfortável, afinal como não vai se levantar, mesmo com fralda, vamos bebendo aos pouquinhos...

Enfim, cuidados aos detalhes e de tal forma que, a certa altura, meu pai comentou:

- Eu estou achando que esta moça está interessada em mim...

Enfim, chegamos, depois das longas horas de vôo, que separam o Porto do Rio de Janeiro. Assim que o avião pousou, a mesma comissária se aproximou:

- Vocês tem alguém esperando no aeroporto?

- Sim, meu marido.


Naquela época, eu ainda era casada.

- Ele está motorizado?

- Sim.

- Então, por favor, de-me o passaporte de seu pai, o nome de seu marido e pode desembarcar. Cuide das malas e de sua passagem pela migração. Nós cuidamos do resto.


Agradeci muito e só tinha como resposta, aquele olhar gentil, prestativo, cúmplice:

- Ele foi um amor, não deu trabalho nenhum. Fique tranqüila.

Saí do avião pensando em encontrar meu pai ao lado de meu ex. Mas não. Não sei o que a VARIG fez, mas, quando vi meu pai, ele já estava dentro do carro, sentado no banco do carona, que já estava devidamente forrado com plástico. Um jovem mantinha a porta aberta, ao lado de uma cadeira de rodas e conversava um pouco com ele, como se o estivesse distraindo.

Quando chegamos, ele se dirigiu a nós e disse:

- Bem, está entregue, espero que tenham feito uma boa viagem. A VARIG agradece a preferência!

Preferência? Agradecer a preferência? Eu é que deveria agradecer à VARIG o motivo de minha eterna adoração por ela...

E isso foi só um dos fatos...

A tal da comissária me encontrou quase um ano depois, com meu pai já falecido... e esse encontro vale mesmo outra história, que conto semana que vem.

sábado, 21 de janeiro de 2012

O ELEVADOR


Uma vez fui salva brilhantemente de ser trucidada por duas mulheres, em pleno recinto público. Até hoje, sou grata a um outro homem de terno, dos muitos que já me apareceram de repente, para me tirarem de um aperto. Deve ser coisa daquele tal anjo que aparece de vez em quando para me salvar.

Este foi um caso de língua solta. É que, às vezes, a língua nos trai antes que possamos ter tempo para pensar. Não sei como acontece, mas parece que ela se adianta ao nosso cérebro!

Muitíssimo raramente isso acontece comigo, mas, naquele dia ou eu estava muito distraída, ou me traí mesmo, sem essa ou mais aquela.

Estava num desses elevadores comerciais em que cabem mil e trocentas pessoas de uma vez só. E estava razoavelmente cheio. Duas quase senhoras de aparência super tradicional traçavam comentários familiares e de repente, uma delas disse:

- É, você sabe, mãe, só tem uma!

Foi aí que a minha língua sobrou na minha boca e, antes que eu me desse conta, sussurei:

- Graças a Deus.

Falei baixinho, para mim mesma, lembrando, certamente, do trabalhão que a minha me dera, principalmente nos últimos anos de vida. Eu não agüentaria passar pelo mesmo aperto mais de uma vez, mesmo sendo mãe. Pensei que tinha falado bem baixinho e, na verdade, quase involuntariamente. Meu subconsciente, com certeza, era o responsável pela traição. Mas... num cubículo como o de um elevador comercial, não foi baixo o suficiente para evitar que todos ouvissem.

As duas mulheres queriam me matar. Felizmente, só com os olhos. Mesmo assim, eu me dei conta da gafe e não sabia o que fazer.

Foi quando ouvi, em alto e bom som, numa voz conciliadora e cúmplice, vinda do homem de terno a meu lado:

- Tem razão, dose dupla, ninguém agüenta.

Todos riram, menos as duas, evidentemente. Mas o constrangimento se desfez.

Não podemos andar com esparadrapo no inconsciente, mas, é claro, coisas desse tipo, tão pessoais, não devem acontecer em público. Mesmo assim, felizmente, tenho esse tal anjo protetor. Ele me salva de cada uma...

sábado, 14 de janeiro de 2012

SENTA, QUE LÁ VEM HISTÓRIA


Facebook. Facebook e aquele meu anjo que atende os meus pedidos aventureiros. Desta vez eu queria que me aparecesse um interlocutor inglês. Estou treinando meu péssimo inglês. Quero coloca-lo num nível de conforto. Assim, me decidi por aulas particulares com meu queridíssimo atual mestre, já que curso para mim não adianta. Patrícia, exímia professora da Cultura Inglesa e, mais tarde, diretora acadêmica da mesma, já tinha me desiludido:

- Curso para você não adianta, amiga. É inglês típico de acadêmico esse que você tem: leitura, certa compreensão e complexo de cdf para falar. Não tem curso para esse tipo de aprendiz aqui no Brasil.

Assim, decidi mesmo pelas aulas particulares. Mas faltava um “sal”. Aquele "sal" que estimula, que empurra, que aguça a curiosidade, o diálogo constante.

Nunca liguei para televisão a cabo. Quase não vejo TV... mas acabei contratando, só para grudar na BBC. Está funcionando, mas... e o “sal?”

Pois é aí que entra o anjo. O anjo e um inglês britânico que me achou não sei como, no Face. Me mandou uma gentil mensagem e começamos a trocar frases e expressões verbais. Sopa no mel.

O homem regulava com a minha idade, era o que me dizia. Só que começou a parecer apaixonado demais para o meu gosto e também para a idade dele. Romântico demais da conta, coisa assim, que não dá muito para acreditar. Mais para o lado do esquisito. Vai daqui, vai dali, ele pede para ouvir a minha voz.

Medo. Medo de dar o número do celular e medo de falar com alguém em inglês, só ouvindo a voz e tendo de me virar. Seria um exercício e tanto! Um desafio. Não tive idéia de comprar um chip só para isso. Hoje em dia é tão barato... Mas aprendi com a experiência. Da próxima vez eu faço isso. Enfim, depois de muito titubear, dei o número.

Ligou. Consegui falar! Consegui entender e responder, ele muito paciente, falando devagar. Depois daí, ele me ligou mais umas vezes. Muito gentil.

Fiquei na dúvida, peguei o número do telefone. Conferi o prefixo: Inglaterra. Mas o prefixo da cidade não conferia. Por via das dúvidas, mandei um mail para uma amiga muito querida que mora lá. Queria saber se aquilo era estranho ou eu é que estava pondo minhocas na cabeça. Ela disse para eu não me preocupar, pelo menos com o número. O número era inglês e os prefixos nem sempre coincidiam com os prefixos das cidades.

Tá.

Mas continuei com o pé atrás. Muito romântico demais. Desculpe o preconceito, mas homem pede, pelo menos, fotos. Quer saber se você tem filhos, quer saber mais da sua vida. Não cai de amores só pelo sorriso da foto do Face. Mas fui levando, afinal, o exercício de inglês estava ótimo... o “sal” pedido ao anjo!

Fim de ano. O gentil inglês pede meu endereço para mandar uma lembrancinha de virada do ano. Pode ser muito gentil, mas meu endereço não dou não. Fui delicada mas direta:

- Não te conheço senão por aqui. Não posso dar meu endereço. Podemos continuar conversando, aceito seus votos de feliz ano novo.

- Faço questão de enviar um presentinho.


Fui ao correio disposta a abrir uma caixa postal paralela. Nem pensar. Todas ocupadas, trinta pessoas na fila de espera. Custei a responder e ele, de lá, insistindo:

- Por favor, querida, estou indo a trabalho para o México, quero postar antes de partir.

Então, tá, vai... sapequei o endereço de minha caixa postal e seja o que o anjo quiser.

Ele agradeceu muitíssimo e a partir daí vivi setenta e duas horas de adrenalina para charlatão nenhum botar defeito. Se você leu meu conto “Golpe de Mestre”, se prepare, que foi parecido. Mas o anjo me põe, o anjo me tira...

A lembrancinha era composta de um pacote com 2 laptops da HP, 2 Iphones, 4 perfumes, um cordão e um anel de ouro, uma rosa e fotos pessoais. Ah, e uma soma de dinheiro escondido dentro de um dos laptops que daria para comprar um bom carrinho. Assim, de um soco só.

Para uma mulher burra, um senhor presente. Mas, desculpe a modéstia, não me encaixo. Ou o cara era totalmente maluco de pedra, o que seria o suficiente para eu cair fora, ou ali tinha... ah... tinha. Até porque nem maluco rasga assim dinheiro de graça. Meu pisca-alerta ligou. De qualquer forma, não era presente para se receber, mesmo que, em última hipótese, ainda houvesse algum maluco no mundo que fizesse isso. Respondi imediatamente:

- Não me mande isso. Pensei que seria um souvenir de Reveillon, alguma coisinha inglesa da virada de ano. Nem pensar.

- Já mandei querida, não se preocupe.


Não me preocupe? Claro que passei a ficar preocupada, na verdade, preocupadíssima. Alarme ligado. Luzes em vermelho.

Perguntei a um amigo o que ele achava. Bem, a vida dele tinha dado uma guinada por uma coisa dessas, inesperadas, e tinha dado certo. Nada mais normal do que ele achar que poderia ser uma aventura a ser vivida.

Mas meu pisca-alerta continuava ligado. Fiquei mesmo muito invocada. Conversei com outro amigo. Ele também achou a coisa esquisita. Bom... “dois” achando esquisito. Só podia caber na minha cabeça que alguém que estivesse tão interessado e tivesse essas supostas condições financeiras, iria preferir mil vezes pegar um avião e vir me conhecer do que mandar um pacote assim. É óbvio! Já havia acontecido isso comigo antes. Se você leu o conto “A ponte”, sabe do espanhol que se despencou de Barcelona para o Rio só para me conhecer. Essas coisas acontecem. Mas um homem não vai mandar um pacote desses para uma mulher com quem ele trocou palavras no Face por 20 dias. Não um homem sério ou, pelo menos, um “homem normal”.

Não deu outra. No dia seguinte, recebi um mail da Malasia. O emissor identificou-se como policia alfandegária, dizendo que o pacote tinha sido barrado lá e, pela descrição do conteúdo, se eu quisesse recebe-lo, teria de depositar imediatamente a “irrisória” soma de 850 dólares, caso contrário, o pacote seria confiscado. Nome da conta, etc, tudo direitinho. O depósito deveria ser feito via Western. Muito chique. E era para ser imediatamente.

-Ah! Era esse o golpe, concluí. E agora? Com que espécie de quadrilha eu estava envolvida? O que fazer?

O anjo me põe, o anjo me tira. O problema era como fazer para me sair. Isso o anjo nunca conta. É a parte onde ele me faz viver a aventura...

Havia algumas saídas:

- Simplesmente não responder e sumir;

- entrar no Face e perguntar se ele me considerava uma idiota. Pergunta desnecessária: é óbvio que ele me considerava uma perfeita idiota;

- bancar a burra, fingir que tinha caído no conto e arranjar uma saída de mulher “burra”. Uma mulher muito muito burra que aceita que um pacote que sai da Inglaterra precisa dar a volta ao mundo, passar pela Malásia, para chegar ao Brasil. Isso, fora todo o absurdo da história em si.

A primeira alternativa parecia mais simples: sumir. Mas não era: ele tinha meu número de celular e, também, o endereço de minha caixa postal. Eu não sabia - e não sei – com que espécie de quadrilha eu estava envolvida, nem suas condições de ataque para me arriscar. Era botar a cabeça para funcionar!!!

Não respondi ao mail, fiquei muda. Alguma coisa iria acontecer e fingi que não tinha lido mail nenhum, nem aberto o Face, naquele dia. Dar tempo para pensar, ver o que fazer.

O segundo amigo, aquele que também estava achando tudo muito esquisito, me deu um bom suporte. Felizmente, ele é bem relacionado e disse que, se eu precisasse, tinha um parente para ir à alfândega comigo, se o pacote chegasse. Tinha feito uma consulta e, quem o instruira, era ligado à polícia federal. Ok, não vai precisar. Pelo tipo de golpe, era só uma isca para eu depositar os tais 850 numa conta da Malasia. Pelo andar da carruagem, não havia pacote algum para chegar. Eu não estava envolvida com contrabandistas. Menos mal... menos mal.

Tracei um plano, o anjo que me ajudasse. Fingi que não tinha recebido o mail, mas já sabia do conteúdo. Horas depois, ligação internacional – não era de prefixo da Inglaterra. Atendi. Era diretamente da “alfândega da Malasia”. Imagine, um serviço alfandegário tão perfeito que liga para o receptor para avisa-lo que tem um pacote preso lá! Quanta gentileza! Fingi não estar entendendo o inglês do homem. Na verdade, não estava mesmo. Só que eu sabia previamente do que se tratava:

- Por favor, ligue para o emissor do pacote, não estou entendendo nada.

Mais uns minutos, liga o gentil inglês, voz parecendo muito aflita!

- Querida, eu recebi um mail da Malasia, você também recebeu?

- Sim, mas não entendi direito. Acho que é para pagar uma taxa ou coisa assim.

- Estou muito preocupado, eu...


Interrompi imediatamente:

- Desculpe, acho que você está nervoso, não estou entendendo nada. Estou em casa. Vamos trocar mensagens pelo Face?

Fazia parte do meu plano ter tudo por escrito. Por via das dúvidas, se desse algum problema, teria provas escritas para mostrar para a polícia daqui, se fosse o caso. Fomos para o Face. Ele fez o “papel de desesperado”. Queria a minha ajuda de qualquer jeito para o depósito, pois havia muitos bens no pacote! Inclusive dinheiro. E muito! Que eu pagasse a taxa e, quando o pacote chegasse ao Brasil, eu poderia resgatar a quantia tirando o dinheiro que estava incluído nele. Ele não estava na Inglaterra, não poderia tomar qualquer providência! Não poderia fazer nada do México. Retruquei:

- Não fique tão preocupado. Já estive no México. Também tem Western aí. Então, é só você ir lá e tudo está resolvido!

- Não posso, a instituição daqui não permite, Já expliquei tudo isso a eles, mas eles não querem me deixar ir. Estou em pleno mar trabalhando, não posso ir à terra, por favor, me ajude, você é minha única esperança.

- Ok, mas por favor, ligue para a Malásia e diga para eles fazerem o pacote voltar para a Inglaterra, pois terá um problema muito maior aqui! Não quero receber esse pacote! Dará mais problemas ainda na alfândega daqui!


Eu era tão “burra” que ainda o estava ajudando a me dar o golpe...

- Ok, querida, então eu deposito em sua conta tão logo eu volte para a Inglaterra, prometo.

- Ok, não se preocupe, a gente vê isso depois. Eu deposito amanhã.

- Você faz isso? Ah, que alívio, que Deus a abençoe.


Pronto. No dia seguinte, de manhã, ele me ligou preocupado:

- Querida, você já depositou?

- Não tenho o dinheiro comigo, pedi emprestado a um amigo e ele disse que vai trazer para mim.


Pronto, além de burra eu não conseguia nem ter 850 dólares.

- Estou muito preocupado. Eu...

- Não estou entendendo você direito, mas escreverei no Face depois. Não estou em casa.


Pouco depois, liga a alfândega da Malasia, muito preocupada com a segurança do meu pacote. Quanta gentileza! Digo para eles ligarem para o emissor.

À tarde, liga de novo o gentil inglês:

- Você depositou?

- Meu amigo ainda não veio com o dinheiro. Escrevo para você no Face, hoje à noite.


Nisso, me encontro com meu amigo de verdade e conto meu plano. Disse-lhe que preferia a versão da mulher burra, por via das dúvidas. Ele teceu considerações comigo, me ajudando na melhor interpretação do papel. O anjo não dá respostas, me deixa dar tratos às bolas para sair dos apertos, mas... sempre me envia aliados... é só eu estar atenta!

Saí e fui viver o resto do meu dia, com meus afazeres. Tinha de deixar o tempo passar. Fazia parte do papel de tentar arranjar o dinheiro. À noite, quando cheguei, escrevi uma mensagem “desesperada”:

- Meu amigo não me deu o dinheiro, disse que não acreditava na sua honestidade e ainda por cima, disse que tem um amigo da polícia federal e que vai contar tudo para ele. Eu estou desesperada, não quero me envolver com a polícia. Na verdade, estou com muito medo de tudo isso. Não posso ajuda-lo. Você é um homem muito esperto e com certeza, encontrará um amigo na Inglaterra ou algum membro de sua família que poderá fazer isso para você. Sinto muito não poder ajuda-lo, estou em pânico.

Na verdade, fora o fato de eu saber mais ou menos com quem eu estava tratando, estar com medo, era pura verdade. Um medo reativo, mas presente da cabeça aos pés.

Poucos minutos depois, a resposta, no Face:

- Oh, meu Deus, como fui acreditar em você! Estou perdido!

Não respondi. Deixei para o dia seguinte, como se tivesse escrito e desligado o computador. Ainda tinha um problema a resolver. É que este meu amigo, o tal que tinha mesmo um conhecido da polícia federal, tinha sido muito assertivo:

- Feche sua caixa postal e mude o número de seu celular.

O problema era esse. Eu não queria fechar minha caixa postal. Tenho a mesma, com várias correspondências do mundo todo, há 20 anos! E o meu celular é o ponto central do meu trabalho como terapeuta! Todos os meus clientes só falam comigo pelo celular. E tenho clientes desde 2001! Eu tinha de bolar um jeito de resolver isso também!

E essa era a minha cartada final, por isso não respondi logo. Precisava deixar o tempo passar, exercitar a minha paciência, saber dar os passos, deixa-lo na expectativa do que eu iria fazer.

Enquanto isso, uma hora depois dessa troca de mensagens, novo mail da Malasia, desta vez ameaçador. Com certeza, passaram a investir nas palavras medo e pânico que eu tinha usado ao dizer que não queria me envolver com a polícia.

O mail era bem explícito: dizia que tinham “escaneado” o pacote e detectado uma soma de dinheiro muito grande ali e que isso era ilegal e se a tal taxa de 850 dólares não fosse depositada imediatamente, as polícias dos dois países, Inglaterra e Brasil, seriam avisadas, para que tomassem as providências necessárias com os dois envolvidos.

Não respondi. Imediatamente, abri meu celular, tirei o chip e liguei do meu fixo para ele para ver o que acontecia. Não toca. Dá direto na mensagem:

- Sua ligação está sendo encaminhada para a caixa postal, deixe sua mensagem após o sinal.

Ok, eles não entendem português. O que eu queria é que não tocasse o sinal de chamada. Entrando direto na mensagem, pode ser qualquer coisa, inclusive dizendo que o número tinha sido desativado. Era a impressão que eu queria dar, o toque final que eu precisava.

Entrei no Face:

- Estou fechando minha caixa postal e também mudando o número de meu celular. Por favor, me esqueça.

Resposta, minutos depois:

- Oh, Deus, não acredito que você esteja fazendo isso comigo!

Não respondi. Abri o Face, no dia seguinte. Nenhuma mensagem. Também nenhum outro mail da Malásia. Ufa, que alívio. Eu era burra, pobre e medrosa demais para eles perderem tempo comigo.

Por via das dúvidas, fiquei três dias com o celular desativado. Quando liguei novamente, havia apenas uma chamada do exterior, com horário próximo ao da minha última postagem no Face. Nunca mais recebi nenhuma ligação internacional.

O anjo põe, o anjo tira. E fiquei sem meu “sal inglês” novamente. Entrei em chats. É uma “chat-ice". A conversa é sempre a mesma: de onde você é, etc... e a linguagem é essa da internet, não é boa para treinar.

Meu bom anjo protetor, obrigada por esta aventura. Mas, desse pão, já chega. Dá para me mandar outro alguém só que bonzinho? Já tive a minha cota de adrenalina para esta vez.

Obs.: o título foi tirado de um antigo programa infantil da Rede Brasil (antiga TVE); a foto da página inicial do Facebook.

sábado, 7 de janeiro de 2012

LINGUISTA


Nasci lingüista, não teve jeito. Lembro-me que, aos quatro ou cinco anos, já sapecava minhas encucações com as palavras da nossa língua. Sei que tinha essa idade pelas lembranças que guardo das casas em que vivi na infância: até os cindo anos e meio, na Tijuca; daí até os sete, no Meier.

Assim, quando me lembro dos fatos da infância, marco minha idade mais ou menos pelas fotos na mente de onde eles ocorreram. E isso aconteceu na Tijuca, eu em torno da mesa quadrada da sala de jantar. Naquela época, meus irmãos estudavam na sala, em volta da mesa, com um abajurzinho cujo formato e cúpula estão gravados em minha mente até hoje. Eles eram muito mais velhos do que eu - o mais novo contava 8 anos a minha frente. Eu os olhava como três adultos, muito velhos. E respeitáveis, é claro. E fumavam, não me lembro se já todos os três... mas quem fumava, fumava muito. Assim, com a sala toda em neblina e uma concentração para colocar qualquer gênio em estado de completude, não me sobrava espaço senão para pensar... e pensar muito.

Isto porque, quando meus irmãos estavam estudando, a ordem era poder “ouvir uma mosca voar no ar.” E isso valia para todo mundo, mesmo para uma garota de cinco anos como eu. Lembro-me que o menor som que eu pudesse soltar era acompanhado pelo célebre:

- Seus irmãos estão estudando, não faça barulho.

Assim, eu não tinha outra saída a não ser acompanhar o estado de concentração de toda a casa, colocando minha cabeça para funcionar, já que não podia funcionar com o resto. E funcionava muito, diga-se de passagem. Eu não podia imaginar o que era “estudar”... eu nem sabia direito o que era escola! A única coisa que eu sabia é que o que eles estavam fazendo era algo muito muito importante. E fumavam como chaminés.

Um dia, me lembro bem, fiquei cismando com aquela fumaça. Estava sentada no chão, um pouco distante, olhando que desenhos a fumaça densa formava no ar. O abajurzinho, no centro da mesa, dava à fumaça um tom diferente, com sua luz oblíqua engendrando várias formas. Me fixei no abajur.

Não sei por que, comecei a repetir para mim mesma o nome das coisas: mesa, cadeira, teto, chão, janela... abajur? Não combina. Não, definitivamente, abajur não combina com o conjunto.

Todas as minhas dúvidas eram sempre tiradas com meu padrinho de batismo, vale dizer, meu irmão mais velho, para mim o responsável direto pela minha educação. Olhava-o como quem olha para o dono de todas as verdades. Por isso, me aproximei devagar, como quem tem medo de interromper. Mas era sempre assim que eu fazia e parece que ele já estava acostumado. Eu esperava a deixa, até que ele olhasse para mim, perguntando o que eu queria. Isso era mesmo um ritual.

Hoje, fico imaginando como deve ter sido pesado àquele jovem de 16 ou 17 anos, tomar para si o encargo de ser um “verdadeiro padrinho” durante todo o dia, já que meu pai só chegava tarde da noite em casa. Em sua ausência, o comandante era ele.

Ah... e como eu respeitava isso...

Assim, fui chegando, em silêncio, e fiquei na beirada da mesa, olhando para ele. Com certeza, uma hora dessas, ele iria perceber, se virar e perguntar o que eu queria.

- O que foi?

- Por que abajur se chama abajur?

- Ora, porque é esse o nome dele!

- Mas não combina!

- Como não combina? Tem de combinar?

- Tem. Teto combina, mesa combina, chão combina, janela combina... mas abajur não combina!

- É um nome francês. Todo mundo chama assim.


Eu não sabia o que era francês. A única coisa que eu sabia é que esse nome não se encaixava na lógica da minha cabeça.

- Mas não combina!

- Por que teto, mesa, cadeira, chão, janela você aceita e abajur não? Foram todos nomes dados à coisas!

- Pois é... mas esse não combina.

- Em português também chamam de quebra-luz, mas é um nome muito antipático.

- É, mas quebra-luz combina, abajur não combina.

- Então chame de quebra-luz e me deixe estudar.


Saí dali convicta de que o nome daquilo, mesmo feio, tinha de ser quebra-luz, pois isso, sim, combinava com mesa, janela, cadeira, teto e chão.

Eu não podia imaginar que o que estava em jogo era a lógica de construção morfológica dos nomes de nossa língua e, evidentemente, abajur não estava na lista da composição mórfica de uma menina de cinco anos, atenta aos nomes das coisas.

Quem pediu uma lapiseira ao Papai Noel e implicou com o nome “abajur”, só poderia mesmo fazer Letras e virar lingüista um dia...

domingo, 1 de janeiro de 2012

MENSAGEM DE ANO NOVO - 2012


Queridos amigos,

2011, ano de muitas diferenças, de tantas mudanças para a maioria dos meus amigos...

Vejo em cada um a superfície de um lago e imagino suas profundezas. Sorrisos amigos à tona, mas almas tão diferentemente vivenciadas, em suas profundezas.

Que os ensinamentos deste ano tenham trazido a cada um de nós:
O viço da alma,
A luz do espírito,
O sorriso interior.

Que nos tenham ensinado a desprezar:
a superficialidade nos encontros,
o egocentrismo,
o cômodo desfazer-se dos compromissos da alma.

Que 2012 floresça com a convicção de que seremos melhores, mais inteiros, mais preparados e capazes de usufruirmos do convívio que nos cerca, mais intimamente comprometidos com os desígnios de nosso espírito.

Que nossos olhares se voltem para as verdadeiras razões de nossa existência.

Brindemos a ele!
Que chegue cheio de novas e indescritíveis vivências;
Brindemos a nós,
desejando que estejamos preparados para sermos dignos desses novos dias.

A todos, o meu carinho.
lali