sábado, 30 de julho de 2011

O OTORRINO


Aliás... “os otorrinos”...

Meu ex-marido sofria de uma otite crônica avassaladora. Avassaladora. Uma crise por mês, no mínimo, e procuramos o que eu poderia chamar de “o primeiro otorrino”.

Pois é... quando a gente tem algo avassalador procura logo um bam-bam-bam, esperando que a graça dos céus nos encaminhe, através desse “doutor” para o término de nosso desespero.

O tal bam-bam-bam diagnosticou um tímpano perfurado e optou por uma escariação, um tal de método que ele disse recompor o tímpano, depois de alguns meses. Para isso, seria preciso consultas constantes e freqüentes (e caras!), que foram feitas, rigorosamente, não por meses, mas por uns dois anos seguidos.

Depois desse período, ele finalmente declarou o tímpano fechado. Mas as otites continuaram... virou mesmo um tratamento crônico. Ele tinha a crise, ia lá, fazia o tratamento local, tomava um bando de remédios e ficava temperando até a próxima crise.

De brinde, o tal “doutor” passou a cuidar de minha faringite, também crônica, e acabei operando as amígdalas com ele, pela segunda vez em minha vida, já que a primeira cirurgia, aos 9 anos de idade, segundo ele, não tinha surtido efeito. Assim, fui contemplada com uma outra cirurgia, aos 32 anos de idade. Mas também não resolveu e passei a ser mais uma paciente crônica de sua lista. Volta e meia, virava o tempo e lá estava eu, também, na consulta, para pincelar a garganta e tomar alguns antibióticos.

Um belo (sim, belo!) dia, o tal otorrino viajou para um congresso no exterior e deixou com os pacientes o cartão de seu irmão, também otorrino, para o caso de alguma emergência. Emergência, diga-se de passagem, era o que mais ocorria aqui em casa, pois esse ouvido não dava tréguas. E não deu outra: meu ex entrou em crise e lá fomos nós, consultar o “segundo” otorrino.

Chegamos lá e, logo de saída, ao examinar o canal auditivo do paciente, ele me solta esta prenda:

- Mas o senhor tem aí um tímpano perfurado e muito bem perfurado! Só pode mesmo ter otites graves como esta!

Meu ex, que não deixava passar barato, respondeu de pronto:

- Estou cuidando dela há mais de três anos e seu irmão declarou que tinha fechado o meu tímpano. Aliás, já paguei uma fortuna a ele por conta disso e o senhor diz que ele mentiu para mim o tempo todo?

Se eu não sabia onde colocar a minha cara, imagine você o tal doutor que tinha a expressão mais honesta do mundo. Ele não podia imaginar o que tinha acontecido, mas, é claro, manteve a palavra.

- Bem, pode ter havido algum engano. Mas o senhor tem mesmo uma perfuração considerável em seu tímpano e eu o aconselho a pensar numa cirurgia de timpanoplastia com certa urgência, caso contrário, estará mesmo comprometendo sua audição que já deve ser mais baixa que o normal.

Isso assim, dito na maior delicadeza e com a cara mais sem graça do mundo. Você pode imaginar por quê...

Lamentamos não termos encontrado este irmão e não o outro, em primeiro lugar. Meu ex perguntou se ele faria a cirurgia. Eticamente, ele respondeu que não, pois não era seu cliente. Aconselhou-o a esperar o irmão voltar e que me ex conversasse com ele. Agradecemos e saímos. Fora de questão voltar ao primeiro otorrino!

Meu ex acho que soltaria fumaça pelas ventas, se pudesse. Não lhe tirei a razão, embora eu não seja explosiva. Ouvi, sem poder e nem querer retrucar o quanto teríamos comprado de combustível para o iate do “tal”, sem resultado. Esperei passar a crise, não tinha jeito. Era deixar desabafar. Depois disso, sugeri procurarmos um “terceiro” otorrino. Mas, dessa vez, algum que, comprovadamente já tivesse feito curas suficientes para nossa confiança e não um que, obrigatoriamente, portasse um belo nome em sua porta.

Por meu lado, eu também precisava de um novo otorrino. Estava tomando antibióticos há 4 meses seguidos, sem resultado. Você pode imaginar como estava o meu organismo, todo chumbado de remédios, sem conseguir o resultado desejado, com a garganta constantemente inflamada.

Foi aí que ele apareceu, na lista de convênio da empresa do meu ex, a antiga TELERJ. Fomos lá, ambos precisados de ajuda e cura.

Um japonês simpático, mas sério e compenetrado, nos atendeu. Para mim, retirou de pronto os antibióticos e começou um tratamento à base de aumentar a resistência imunológica. Disse que levaria muito tempo para restabelecer o equilíbrio e por muitos anos eu teria recaídas, mas que as crises iriam se espaçando, aos poucos, se eu fosse bem fiel ao tratamento. Senti firmeza, aceitei na hora.

O caso de meu ex era mais complicado. Exigia mesmo cirurgia. O japonês tinha cara de quem dava conta do recado. E foi com admiração que o ouvi o que se segue:

- Sim, eu posso fazer isso e o farei.

- Pelo convênio?

- Claro, o senhor não é do convênio? De que outro modo eu faria? Só que vou chamar meu professor para acompanhar a cirurgia, pois o senhor já tem 40 anos e é uma cirurgia que pode não ter o sucesso esperado. Mas meu professor é mesmo um expert neste procedimento e pedirei sua presença, por via das dúvidas. Estou certo de que sairá tudo bem se o senhor seguir à risca as recomendações. As chances de insucesso existem, mas são mínimas, se todos os cuidados forem tomados.

- Ele é do convênio?

- Não, mas não se preocupe. É de minha responsabilidade chamá-lo, o senhor não terá despesas extras por causa disso. Ele virá porque vou pedir. A única coisa que lhe peço é pagar uma consulta a ele, 15 dias depois do procedimento, para ele dar o sinal verde para que eu proceda o resto do tratamento. O senhor se incomodaria de fazer isso?


Fiquei boquiaberta! Isso existe! Claro que não nos “incomodaríamos”! Teríamos um expert de graça na sala de cirurgia, sem uma despesa a mais e ele ainda perguntava se nos incomodaríamos de conhecer um figurão e pagarmos por isso apenas uma consulta para ele dar aval a um tratamento tão complexo quanto esse!

Pois então... tudo foi feito, conheci o tal figurão. Na verdade, uma figurinha de outro japonês bem sério, mais para carrancudo, mas também simpático, bem com pinta de professor. Foi o quarto otorrino desta história, mas que apareceu só para brilhar no momento certo e nunca mais vi. Um mês depois da cirurgia, ouvi meu ex comentar.

- Puxa vida, estou “ouvindo em modo estéreo” outra vez

Em suma: sucesso total! A partir de então, passamos ambos a nos tratar com o “terceiro otorrino”. Meu ex ficou bom em cerca de um ano. Depois disso, não me lembro de ele ter tido outra dor de ouvido até o nosso divórcio, que se deu só uns cinco anos depois.

Eu, caso mais complicado, como ele mesmo disse, fui rareando nas crises, mas elas sempre apareciam.

Pois é... mas aí veio o divórcio. E com ele, é claro, o meu desligamento do plano de saúde da TELERJ. As consultas, eu sabia, custavam um preço que eu não podia pagar. Ainda mais porque eu arquei com as despesas do divórcio e outras coisas afins, que vem junto com uma radical mudança de vida.

Não tinha saída. Era dizer, com muito jeitinho, que eu abandonaria o tratamento. Fui à consulta escolhendo as palavras. Aquele anjo protetor merecia os melhores agradecimentos, o mais profundo respeito e toda minha admiração. Ele precisava saber, sem sombra de dúvida, que minha retirada nada tinha a ver com qualquer coisa a seu respeito, mas, única e exclusivamente com minha mudança de vida.

Acho que escolhi uma forma singela e fácil. Disse-lhe que estava me divorciando e, como saía do plano de saúde da empresa, estava apenas suspendendo o tratamento por uns tempos, mas que voltaria. Ficou implícito, de modo delicado, eu acho, a causa real, mas também ficou explícito que seria temporário. Tentei fazer do modo a que ele percebesse que não estava ali para me queixar e, sim, apenas, para me equilibrar. Eu voltaria. Que ele me esperasse, pois eu sabia que, finalmente, estava em boas mãos e aproveitei para lhe agradecer toda a cura que já havia conquistado.

Na verdade, eu não sabia se voltaria. As dívidas que me ficavam eram tantas que eu via um distante horizonte para meu equilíbrio novamente. Mas era o que eu tinha a dizer.

Mas ele não deixou por menos:

- E você acha que eu aceitaria a suspensão de seu tratamento depois de mais de cinco anos de sucesso nessa luta? De jeito nenhum! Se você não aparecer aqui na primeira próxima crise estará colocando o meu tratamento e todo o meu investimento em você no lixo. Nem pense nisso! Depois de tantos anos, somos amigos! Se você não vier, considerarei uma ofensa. E grave!

Me lembro, até hoje, que olhei para aquele homem com lágrimas nos olhos. Isso existe!

Continuei o tratamento. Hoje, muitas vezes, passo em seu consultório só para um abraço. É raro, mas também corro a ele por uma dorzinha ou outra, longe, muito longe das crises de antes. Agora, são alergias de uma pessoa normal!

No mais, é tão raro eu ter dor de garganta que seria uma ingratidão não passar lá de vez em quando, bem rapidinho, só para pedir que as bênçãos dos deuses caiam sobre seus dias.

É engraçado... quase tudo que me acontece tem o “três” a minha volta. É um número que me acompanha, desde pequenininha. Mas esse “terceiro” otorrino é mais do que um bom médico. É um anjo que os deuses colocaram perdido (ou bem achado) no meio dos homens. Seu modo sério de atender, sua ética incontestável, seu sorriso franco e amigo estarão sempre presentes em meu coração.

Espero poder visitá-lo por muitos e muitos anos, vendo-o saudável, feliz com sua amada e forte de espírito como sempre foi.

Que os deuses do Olimpo o abençoem e sua vida seja sempre muito iluminada!

sábado, 23 de julho de 2011

O CASAL


Lembra do China? Pois então. Fiquei sem o China e, por muitos anos, bati com a cabeça por aí a cada vez que precisava de algum conserto, alguma pintura, alguma emergência em minha casa.

Um dia, Gildo apareceu, como você viu, se leu o conto “A dívida”. Gildo entrou na minha vida, através de uma amiga comum, ex-aluna e decoradora de interiores. Por conta de reformar a minha casa e dar uma cara mais minha, depois do divórcio, tive dela algumas sugestões muito pontuais e interessantes. E minha casa ficou mesmo a minha cara. Mas quem faria a pintura e os pequenos ajustes necessários? Foi aí que o Gildo apareceu na história da minha vida, para nunca mais sair, lá vão uns... quinze anos, talvez.

Na reforma da sala, então, suas sugestões e detalhes deram ao ambiente o jeito que ele sabe ser meu. O banheiro, por exemplo, ficou assim graças a suas idéias. Uma vez, um aluno foi lavar as mãos e não resistiu. Soltou essa:

-“Vocês já viram o banheiro? Vale uma visita”!

Até o apoio para os pés para as pessoas mais baixinhas foram bolados por ele de um jeito que, quando não estão em uso, se transformam em uma pequena estante. Esse é o Gildo, de fala mansa, educação requintada e de uma simplicidade que faz gosto. Uma vez, fui trabalhar em Vitória, dando palestras e ele ficou morando em minha casa, fazendo uma reforma. Fui no domingo e só me lembrei de ligar para ele na quarta. Ele me inquiriu:

- Puxa, vida, você nem ligou para saber se estava tudo bem, se as coisas estavam indo do seu jeito!

- E precisa?Nem me lembrei que você estava morando aí, então, não ligava à noite. E durante o dia estou trabalhando... só me lembrei hoje.


Quando voltei, estava tudo certo. E mais: uma das coisas que estava por fazer não tinha sido feita porque, apesar de termos combinado, ele experimentou num pedacinho e achou que eu não iria gostar e me esperou para resolver. E, para variar, como me conhece bem, eu não gostei mesmo e fizemos de outro jeito.

Pare a cena. Guarde o Gildo. Desenrole um pouco para trás o carretel da minha vida e você encontrará... Jane!

Eu já disse que tenho um anjo que me aparece nas horas mais desacertadas. Pois eu estava numa hora desacertada mesmo, sem saber quem escolher para cuidar da minha casa com o mesmo capricho e cuidado com que sempre cuidei. Conheci Jane quando ela tinha cerca de quinze anos, filha de uma secretária que me servia às sextas-feiras. Mas era hora de ela tomar outro rumo, por circunstâncias da vida. Vez por outra, no entanto, Jane vinha dar um reforço à mãe e deixava minha casa um “primor”.

Mas Jane merece uma apresentação à parte: esforçada, desde cedo, cursara até o segundo grau e tinha, até, um curso técnico de saúde, algo como assistente de enfermagem, se não me engano. Menina prendada e estudiosa. Não seguiu carreira, também por circunstâncias da vida. Dali fez várias coisas antes de se casar, chegando a posar como gerente de uma importante loja de seu bairro. Mas casou, virou dona de casa e mãe de um filhote lindo que hoje tem vinte e um anos. Uma prenda de menino, em curso de engenharia, estagiando e com emprego acertado.

Mas pulei uma parte: Jane separou-se quando ele era ainda muito pequeno. Foi mais ou menos nessa época que, por falta de melhor opção, acabou substituindo a mãe, às sextas, na minha casa. De quebra, também é excelente manicure, o que fez de mim, uma abençoada, pois às sextas, a faxina passou a ser mesmo completa: casa, pés e mãos.

No começo, pensei em ser coisa provisória. Eu mesma torcia por uma boa colocação para essa moça tão esforçada. Mas qualquer coisa não chegava ao nível do que ela necessitava e nem nas condições. Afinal, o filho era bem pequeno e ela não abria mão de cuidar dele. Trabalhar em expediente integral largando o filho “a própria sorte”, como dizia, estava fora de questão. Então, pegou a minha casa e mais uma, se não me engano, e com isso deixou o filho crescer bem crescido e cuidado como todo mundo que o conhece pode constatar hoje.

O fato é que foi ficando aqui em casa e, um dia... apareceu com diabetes. Aí... dei uma prensa, mas acho que nem precisava. Passou a cuidar-se direitinho. Nessa época, eu já era reikiana, coisa que ela respeitava, mas via com muita reserva. Mas o Tai Chi Chuan que eu também fazia foi bem recebido e ela topou logo participar das aulas que a prefeitura de seu bairro oferecia (e ainda oferece!), duas vezes por semana. Tomou gosto e também jeito para a coisa e foi por aí que acabou se interessando pela terapia holística. Como sempre, santo de casa não faz milagre e não era por mim que ela iria entrar nessa. As energias da vida são assim mesmo. Eu, bem quieta no meu canto, sorria por dentro com a sua empolgação: temos uma hora sagrada para papos, todas as sextas, no horário de fazer as minhas unhas!

Mexe aqui, revira ali... Jane acabou se matriculando num curso, com um dos professores de Tai Chi Chuan, mas para fazer a formação holística. Encurtando a história, Jane é hoje uma instrutora de Tai Chi Chuan e quase terapeuta holística. Falta pouco. E como já vi sua performance em Tai Chi, posso garantir que merece o título que tem. Já ganhou medalhas em competição e tudo!

Aos poucos, Jane acabou por conhecer florais e Reiki e já fala sobre isso como gente grande. Só estou esperando que ela faça os cursos, que estão à disposição, quando quiser.

Fico descansada com isso. Não estarei aqui para sempre e gostando dela como a uma filhota, é claro que quero ve-la bem encaminhada.

Contada a história de cada um desses personagens, pare a cena novamente. Volte a fita.

Estamos em torno do ano 2000. Jane, com o filho em torno de 10 anos, separada. Gildo em fase de separação. Eu, amando os dois como filhos, tramando um encontro de meus dois amores. Que fazer?

A verdade é que meu apto estava mesmo precisando de uma ajeitada. Pintura, consertos... aproveitei a oportunidade e engrenei uma obra. Mas só poderia ser feita às quartas e sextas. Tudo ardil: pedi a Jane que viesse mais uma vez por semana, às quartas, claro, por conta da sujeira que se faria. Aceitou. Nem seria preciso, pois o Gildo, quando sai, a cada dia, deixa tudo um brinco. Mas tinha o almoço. Então, além de ajudar na sujeira, o almoço estaria resolvido.

Não foi preciso fazer mais nada. Quando dois amores de pessoas como eles se encontram, a vida faz o resto. Eu, discreta, só na torcida, sempre apressada para fazer minhas coisas em outro lugar, atolada com a Universidade, pois ainda não tinha me aposentado. O casal se fez naturalmente.

Hoje, os dois estão juntos. Gildo adora o filhote de Jane, que o conheceu com 10 anos e neste ano fez 21. Gildo continua sendo meu braço direito para toda e qualquer reforma, pintura, acerto, pia pingando. Jane é o primor de moça que já contei. Posso dizer que sou brindada, às sextas, com uma instrutora de Tai Chi Chuan, super energizada, cuidando de minha casa como eu cuidaria. Com certeza melhor, pois não tenho mais idade para isso. Sem contar com os pudins e doces de banana que me faz de vez em quando, as unhas, os papos, a amizade, o carinho cultivado entre nós.

Um dia, não estarei mais aqui. Mas de onde estiver, vou vê-la cuidando da terceira idade, como hoje cuida nos projetos de seu bairro, dando aula de Tai Chi Chuan, alongamentos, cuidando, incentivando os idosos e, também, garantindo seu futuro. Estarei descansada por isso. As pessoas esforçadas merecem ser recompensadas pela vida.

Enquanto isso não acontece, fico aqui, também cuidando da minha e tendo, às sextas, um encontro marcado por uma trama do passado bem urdida. Fico feliz por ter feito parte disso.

Se precisarem de uma professora de Tai Chi Chuan e, em breve, terapeuta holística, pois seu curso está acabando, ou de alguém que reforme a sua casa como se sua fosse, com os cuidados de um profissional de primeira classe, já sabem a quem recorrer. Dou os cartõezinhos.

Tim-tim para vocês, meus queridos. Vocês merecem!

sábado, 16 de julho de 2011

A DÍVIDA



Setembro de 2006. Ufa... no início do ano tinha comprado a sala que seria o meu consultório, depois de muito procurar e de ter ralado por muitos anos por essa conquista, como já lhe contei no conto “ A compra”.

Pois então: a sala estava lá, em reconstrução, contando com Gildo, meu substituto do China, aquele do conto da casa do Humaitá, que foi morar no nordeste.

Gildo agora é meu braço direito para tudo, no que se refere a obras... e tão cuidadoso, quanto amigo. Tão especial que dei um jeito de apresenta-lo a Jane, minha secretária das sextas-feiras. E não é que se casaram, já há uns 10 anos? Isso vale um conto à parte algum dia. Mas voltemos à sala.

Gildo, além da super confiança que inspira, tem também um super bom-gosto e, treinado como é em obras dos mais vários tipos, ia levando a obra, sozinho, reconstruindo e sugerindo. Ficou um primor! Quem já viu a sala pode confirmar.

Mas, como toda obra, a gente acaba gastando mais do que pensa... e a grana estava mesmo muito curta. Tudo vinha sendo feito aos poucos, mas, mesmo assim...

O fato é que, numa quinta-feira, me deparei com uma quantia acumulada para pagar na terça seguinte: material já comprado, prestação do ar condicionado, gesseiro, enfim, um total que eu não tinha. Para muitos, talvez, uma micharia, mas para mim... era o suficiente para entrar em pânico.

Apelei para a calma taurina, se é que conseguia ter alguma naquela hora. Se você sabe, a última coisa que um taurino faz é pedir empréstimo. Ai, pelos deuses... eu tinha de escapar dessa! Como?

Por incrível que pareça, como boa reikiana, investi em um dos princípios do Reiki: “Shinpai suna”, ou seja, “não se preocupe”. Mas é claro que não significa um “não se preocupe e não faça nada por isso”. Não. Significa tomar todas as providências necessárias, lutar por resolver o que deve ser resolvido e, só então... confiar. “Shinpai suna” significa, na verdade, fazer a sua parte... e... confiar. Eu não sei como isso funciona, mas funciona... só que, daquela vez, não me parecia mesmo haver saída.

Mas fiz como manda o figurino, como mestre de Reiki que sou. O exemplo começa aqui, não é mesmo? Então... vamos às providências: fui ao banco e falei com Cristina, uma gerente de sonhos, que já se aposentou. Pedi instruções de como faria um empréstimo, com o coração na mão, diga-se de passagem. Ela me informou tudinho, me passou um monte de formulários e me aconselhou a fazer o empréstimo no dia seguinte mesmo, ou seja, sexta, para o dinheiro estar na minha conta na segunda e eu saldar as dívidas na terça, com o dinheiro depositado. Eu não quis. Disse que só faria o empréstimo em cima da hora, na segunda. Ela poderia colocar o dinheiro na terça para mim? Poderia, mas achava uma bobagem sem tamanho, pois não faria diferença nenhuma em relação a juros, pois a quantia nem era tão significante, e tudo seria feito com calma. Não aceitei. Finquei pé na segunda, dizendo que levaria os formulários para casa e já traria tudo certinho na segunda, na hora da abertura do banco.

- Por quê?

- Sei lá... porque sim. Vou me sentir melhor assim.

- E se eu faltar na segunda?

- Não vai faltar, Cristina e... se faltar, paciência... consigo o empréstimo mesmo assim?

- Consegue, mas não garanto que o dinheiro caia na terça.

- Ok, sempre paguei tudo em dia. Darei os cheques na terça pedindo aos meus credores que depositem na quarta. Sei que me entenderão.


E foi assim que finquei mesmo o pé. Minha confiança estaria em jogo até o último minuto. Quem sabe eu poderia encontrar outra saída... teria o final de semana inteiro para pensar em outras possibilidades...

Na sexta, passei no banco para pagar uma conta pequena e, nem sei por que, olhei o saldo. Havia um dinheiro lá que, com certeza, não era meu. Corri para Cristina:

- Você depositou o empréstimo?

- Eu não, você nem assinou os formulários ainda! Não poderia faze-lo!

- Então, tem um dinheiro lá que não é meu. Veja qual foi o engano, por favor, antes que isso dê um problemão nas transações da minha conta! De quem será isso?


Cristina acessou a conta. Sim, não havia dúvida: o dinheiro estava lá... acessou outras telas do sistema... mais um minuto... e ela sorriu:

- Lali, devolução do seu Imposto de Renda!

Ai, pelos deuses! Não era possível!!!


Paguei tudo e lembro que me sobraram uns pouquíssimos trocados! Deu só para uma comprinha básica de uns chocolates da Kopenhagen, com que fiz questão de me presentear para comemorar a aventura, oferecendo uns bons pedaços, em pensamento, ao meu anjo desconhecido, aquele que me salva nas horas inesperadas.

Pois é... shinpai suna!

sábado, 9 de julho de 2011

A COMPRA



Nunca tinha pensando em ter um consultório em minha vida. Professora universitária convicta e feliz, pensei que iria levar essa profissão para além da aposentadoria, até que a vida ou a própria universidade me considerasse inapta para exercer minhas funções.

É... o mundo dá muitas voltas, e me vi envolvida com igual amor e dedicação pela a terapia holística, mais especificamente com técnicas orientais, especialmente o Reiki e acabei por me aposentar, em 2003, para me dedicar exclusivamente a esta nova profissão.

Mas jamais pensei em ter consultório.

Ele veio. Na verdade, tropeçou no meu caminho. Em princípio, estava procurando um lugar para alugar. Tinha de ser perto de casa, para onde eu pudesse ir a pé. Mas a região, embora pródiga em consultórios e salas, cobra um preço exorbitante para o meu orçamento. Tudo que investisse nele, considerando a baixa estação no consultório que, no Rio, dura quatro meses (dezembro a março) me pareceria sumir pelo ralo, ou seja, pelo exercício do próprio trabalho. Abandonei a idéia por uns meses e voltei a namorá-la no início de 2006. Eu queria qualquer prédio de Copacabana, menos um, por razões muito simples: não queria parecer fazer concorrência a um antigo mestre de Reiki de cujo Instituto tinha me desligado. Embora respeitasse suas posturas e diretrizes, passei a não concordar com elas e, eticamente, seria preferível me afastar. Aliás, acho que foi um processo mútuo. Menos mal. Mas por uma questão de excesso de zelo, talvez, queria evitar ter um consultório e sala de cursos no mesmo prédio.

A partir do início da procura até o ponto final, conheci praticamente todos os prédios comerciais e mistos de Copacabana. Mas... dava uma volta... volta e meia... e empacava no mesmo ponto: o tal prédio. O jornal, os amigos, os corretores, achavam sempre uma forma de embicar meu nariz para lá. Ufa! E eu ali, firme: esse não quero. Tinha tido o explícito cuidado de dizer aos meus corretores, amigos, benfeitores e todos os interessados em me ajudar que serviria qualquer prédio, menos aquele. Mas parecia atração à oposição explícita. Incrível...

Assim, passei meses procurando sem muita ânsia. Se aparecia algum imóvel, eu ia ver. Nada agradava e eu adiava a iniciativa. Um dia, Maurício, um dos corretores, me ligou, animado:

- Oi, lali, onde você está?

- Na rua, mas pode falar.

- Na rua, onde?

- Esquina de Nossa Senhora, com Siqueira Campos.

- Pois então você está em frente ao prédio de seu futuro consultório. Achei!


Fui gentil, mas firme:

- Maurício, eu já lhe disse: “todos os prédios, menos esse”.

- Eu sei, mas seria por uma gentileza, pelo menos. Não custa ver, né? A dona não nos dá a chave, o corretor está lá e você está em frente à portaria! Não é muita coincidência?

- Tá bom, Maurício, tá bom.


Subi. Desnecessário dizer que a sala era tudo que eu queria. Tudinho. Inclusive pelo fato de estar caindo aos pedaços, o que mexe consideravelmente no preço.

Se você se lembra do tal anjo da guarda que me empurra para aventuras, ele estava presente, ali, de novo. Eu tinha pensado numa sala com uma divisória para separar o espaço de atendimento do espaço de cursos. Tinha até isso, feita de madeira, com porta e tudo. O anjo tinha providenciado algo removível, só para me atrair. Assim, ela se apresentaria exatamente como eu tinha sonhado, apesar de ele saber de velho que uma divisória seria a primeira coisa que eu, depois de estudar o espaço, iria detestar. E foi mesmo: assim que comprei a sala e pensei na distribuição do espaço, a divisória foi a primeira a sair.

Mas voltemos aos fatos: a dona estava pedindo um preço absurdo por um pedaço de chão totalmente destruído. Não dava nem para entrar no banheiro. Tinha um tanque (imagine!), pia quebrada, azulejos caindo. Eu podia imaginar o encanamento podre por dentro! Era construir tudo de novo. Mas o prédio, além de ser super bem localizado, me ostentava uma sala no penúltimo andar, sem outros prédios perto para devassá-la e... de fundos, sem o barulho do trânsito local. E mais: sol da manhã, lua da noite, voltado para o mar. Não dava para vê-lo, por conta de prédios que embora fiquem distantes, são altos o suficiente para impedir a vista direto para a natureza, mas as energias vinham diretamente de lá. Perfeito para os objetivos do meu trabalho! Parecia coisa feita para mim! Balancei nas bases. Embora apegada a minha primeira convicção de não me estabelecer naquele lugar, ensaiei uma negociação com a dona, que permaneceu irredutível.

Me despedi e saí. Esqueci de dizer que estava acompanhada pelo porteiro, o Luiz, que fizera questão de me levar até lá. Ao descer pelo elevador, descobri que ele também era reikiano. Ao saber que eu estava procurando um lugar justamente para aplicar Reiki, me disse:

- Ah, você tem de vir para cá.

Sorri. Disse que não tinha pressa e que estava procurando outros lugares, mas agradecia a gentileza. Não quis dar o verdadeiro motivo de minha saída estratégica por uma questão de ética, pois, afinal, ele era porteiro dali. Mas, nessa hora, sem que eu soubesse, o tal anjo de minhas aventuras deve te-lo cutucado, pois o porteiro me disse:

- Você se incomoda que eu faça uma observação?

- Claro que não.

- Você não sabe fazer negócio. Posso comprar essa sala para você?


Antevi o tal anjo e, por via das dúvidas, respondi:

- Se você quiser, sim, claro. Se ela tiver de ser minha e você acha que pode ajudar, esteja à vontade.

Combinamos uma “taxa administrativa”, caso ele conseguisse fechar o negócio e saí, me esquecendo da história.

O tempo passou. Devo confessar que a sala, vez por outra, enfeitava meus pensamentos e passei a procurar algo parecido, já que estava mais bem delineada em minha mente. Mas nada, não havia nada que sequer se aproximasse dela.

Quase um mês depois, recebo uma ligação do Maurício, o tal corretor:

- Lali, onde você está?

- Na rua, mas pode falar.

- Vamos fechar negócio?

- Que negócio?

- Ué... daquela sala que você viu no prédio da Siqueira Campos.

- Como assim?

- Pois é, ela voltou atrás no preço. Vamos fechar hoje?

- Espera aí, vou falar com o meu advogado.


Não era para o advogado e sim para o porteiro que eu tinha de ligar. Afinal, eu tinha fechado um compromisso com ele e queria, pelo menos, avisá-lo do imprevisto. Ao ligar, no entanto, apenas o ouvi rir do outro lado e dizer:

- Pode fechar, faz parte do negócio. Depois a gente conversa.

Fiquei desconfiada:

- Mas está tudo certo? O que você fez?

- Nada desonesto, posso garantir. Fecha logo esse negócio e depois a gente conversa.

- Mas se eu fechar agora com ele, não vou poder pagar a sua “taxa administrativa” agora. Vou ficar a nenhum!

- Não se preocupe, quero você aqui conosco. Depois a gente acerta. Somos os dois reikianos, estamos em casa.


Só podia ser o tal anjo, não era possível. O fato é que fechei negócio e em menos de dez dias, era dona do imóvel. Negócio fechado, fui ter com o tal porteiro:

- O que você fez?

- Nada demais. Apenas disse à dona da sala que eu tinha uma pessoa que tinha visto o imóvel e que estava oferecendo X (a mesma quantia da minha oferta). Só não disse que era você. Não menti, menti? Afinal, ela não conseguiria nada melhor. Fiz ver a ela que só estava acumulando as dívidas com o condomínio já que tinha deixado de pagar há meses e que, se não vendesse logo e pelo preço da oferta, acabaria no prejuízo. Além disso, esta oferta coincide com o que se está oferecendo mesmo pelas outras unidades, por aqui... e a dela está bem caidinha... Ela é que está viajando na maionese. Desonesto não fui. Apenas não disse que a oferta que eu tinha era da mesma pessoa.


Em outros termos, sem que eu mesma o soubesse, estava fazendo uma oferta através da corretora e outra oferta, de mesmo valor, através do porteiro. Esta foi a jogada de gênio desse jovem, que hoje, passados quatro anos, seguiu seu dom inato de ser corretor de imóveis e tem uma sala de corretagem, aliás, no mesmo prédio.

Fechei o negócio com a administradora e, em seis meses, paguei a taxa combinada com o porteiro. E agradeço, até hoje, carinhosamente, a este anjo invisível que me aparece do nada, nas horas mais inesperadas.

Foi assim que cá estou, com um consultório para onde vou a pé, pela praia de Copacabana, agradecendo o sol de cada dia e também aos deuses pela recompensa por tantos anos de tanta luta, tanto esforço, tanta dedicação e tanta economia. E, é claro, ao meu anjo aventureiro, pela ajuda providencial que chegou na hora certa.

sábado, 2 de julho de 2011

OS JOGOS


Justiça seja feita: também trago recordações e ensinamentos do internato, significativos e imprescindíveis para minha vida.

Aprender a jogar respeitando o adversário foi de fundamental importância para a minha formação quando adolescente e imprescindível para minha postura profissional em toda a minha vida, nessa louca sociedade moderna de concorrências e desenganos.

A integridade do ato, em si, me deu a força necessária para estabelecer em minha vida metas de ideais bem norteados, sem esbarrões sobre as atitudes muitas vezes sórdidas do meio. Neste aspecto, agradeço a educação que recebi, pautada na solidariedade e na concorrência não avassaladora do meio. Vencer não era massacrar. Perder não era a morte, mas apenas um passo de experiência e aprendizado, uma ocorrência da vida.

Este presente eu trouxe do colégio, apesar de tantos outros desacertos.

Ah... um pouco dessas freiras nas nossas atuais torcidas de futebol... e, por que não... nas concorrências da vida...

Esses princípios aprendíamos principalmente nos campeonatos de vôlei. Lembro-me de um outro internato, também de freiras e também no Alto da Boa Vista. Funcionava como uma comunidade solidária, um país vizinho, com relações diplomáticas bem delineadas entre nós. Um grupo visitava o outro, quando em vez, em festas de quermesses ou retiros e, principalmente, em treinos de vôlei. O objetivo era o de treinarmos como adversárias, pois treinar com outras táticas aguçava as nossas. Fazíamos vários jogos amistosos, em treinos não só de jogadoras, mas, também, de torcidas. Éramos, na verdade, duas sociedades irmãs e ficávamos torcendo para que nunca tivéssemos de nos confrontar nas preliminares, cruzando os dedos nos sorteios que determinariam em que grupo cada colégio pertenceria. Ficar no mesmo grupo significaria que um colégio acabaria por eliminar o outro e queríamos, ambos, que chegássemos juntos à final. Aí, sim, quem ganhasse ficaria com a taça e, fosse qual fosse, a alegria seria a mesma.

Evidentemente, nos confrontamos oficialmente várias vezes e lutávamos para vencer. Mas era interessante o decorrer de todo o jogo. Quando uma cortada fazia cair a adversária, não era um grito de raiva que surgia da jogadora que tinha sido focada e não conseguira pegar a bola, mas um cumprimento pela estratégia da adversária: “boa bola!”ou “bolão!”. O ponto perdido era arduamente disputado novamente, a luta era para valer, mas não para sobrepujar o outro. Vencer significava outra coisa diferente do que esmagar, tripudiar, desmerecer. Vencer era honrar a arte da batalha, o resultado do esforço.

Era interessante o quanto nos sentíamos “irmãs”. Nas vésperas de nossos jogos com outro algum adversário ouvíamos, no recreio após o jantar (que, coincidentemente era no mesmo horário para ambos os colégios), o “grito de guerra” e de estímulo de nossas colegas do outro lado da mata: Esses cantos ainda ecoam em meus ouvidos, ao me lembrar das coisas da adolescência. Esperávamos que acabassem de cantar, juntávamo-nos nos janelões do terração do recreio noturno e repetíamos o mesmo refrão para as nossas queridas companheiras, para acusar o recebimento da mensagem. O grito guerreiro, atravessando a escuridão e o silêncio da mata da Tijuca, ecoava em nossos corações, no quase um quilômetro que separava os dois prédios.

Lição de vida...

Havia também um encantamento nas partidas com as outras adversárias. Sabíamos que nem todos os colégios tinham os nossos princípios ou a nossa postura que considerávamos “ética”. Mas não respondíamos no mesmo tom. Sequer lamentávamos. Era como se isso não contasse para nós, “princesas” que éramos. Apenas deixávamos que isso acontecesse e seguíamos o nosso curso, tanto jogadoras, quanto torcida, ignorando vaias e respondendo com uma diplomacia um tanto “superior”. Isso nos fora ensinado explicitamente pelas irmãs do colégio e, embora a intenção educacional fosse das melhores, acho que esse “tom” de superioridade custou-me um certo ar de arrogância aos ataques adversários e competitivos, postura que me acompanhou por alguns dos meus primeiros anos de adúlticia, felizmente contornados (ou, pelo menos, amenizados) pelas pauladas da vida.

Boa base, boas escolhas, embora tivesse de ter passado pelo árduo trabalho de aprender a temperar a educação chamada “esmerada” com o bom senso. Neste caso, o bom equilíbrio entre as freiras e as experiências de vida.

De qualquer modo, o que aprendemos na disputa através dos jogos foi fundamental para as alunas que souberam usufruir desse ensinamento.

Agradeço à vida por essa oportunidade, pois deu brilho a minhas vitórias, compreensão e aprendizagem nas minhas derrotas. E sensatez.