domingo, 30 de maio de 2010

PURI


Essa história da descoberta de descendência povoou alguns anos de minha vida. Imagine que descobri que minha avó era descendente de índio, quando já contava com mais de vinte anos de idade, casada, formada, digamos... dona do meu nariz.

Começou numa discussão com minha mãe, numa dessas visitas de domingo:

- Lá vem você com seu tacape...

- Tacape? Como assim? Que tacape?


Resposta impensada:

- Sangue da família por parte de sua avó!

Sou inteligente. Burra para mil coisas da vida, mas inteligente para deduções práticas.

- Então, minha avó era índia?

Resposta pronta e irritada:

- Isso é assunto proibido na família.

- Como proibido?


Quis assuntar. Nem pensava mais no conteúdo da discussão, completamente ultrapassado e esquecido. Tentei seduzi-la. Doce ilusão. Uma coisa que minha mãe não fazia era cair em qualquer sedução desse tipo. Adorava o segredo, a proibição, a manutenção da informação, o poder sobre alguém, como detentora do objeto do desejo jamais concedido.

Assim, também, o segredo do índio, ou melhor, da índia. Só consegui saber que era a mãe do avô de minha avó materna, muitos anos depois, mais especificamente, agora, por uma cunhada que, pelo que parece, acabou sabendo mais do que eu, embora eu bem que tivesse assuntado sobre isso com meus irmãos, na época, sem muito sucesso. Enfim, o que importa é que, por tudo que é mais sagrado, eu tinha mesmo uma descendência validada pelo irrefutável senso matriarcal. Se era por parte de avó, mesmo vindo de um avô distante não sei de onde, para mim, o que importava era que eu era mesmo descendente de índia, segundo deixara escapar minha mãe, sem muita informação, naquele descompromissado entardecer de domingo.

Minha alma feminina, embora não soubesse de toda a verdade, deu asas à imaginação inventando um ancestral pulando o muro conjugal, dando como resultado uma prole de bastardos da qual eu fazia parte. Ri da idéia, por algum tempo, imaginando a tradicional família paulista, de onde eu supostamente vinha, enroscada com tanto embaraço... ou será que o jovem, cujo nome desconheço, desrespeitou os desejos dos pais e fugiu com uma bela e jovem índia para os quintos dos infernos, de onde, pouco depois surgiu a Fazenda Água Preta, de imensa plantação de arroz, onde fui apenas uma vez, na minha pré-adolescência, para gozar dos doces de Tia Letícia, conhecer o riso franco de Tia Célia e disputar a rede com o Tio Zeca? Tudo hipóteses... e minha imaginação, como se pode perceber, mostrava-se fértil. Mas não me trazia a verdade.

Então, minha avó Sinhá, que não conheci, tinha sangue de índio. Buscava descobrir traços escondidos por trás da única foto que eu tinha, desbotada e muito antiga, ela bem idosa com muitas rugas e cabelos presos.

Não dei o assunto por esquecido, mas não tinha pistas. Sabia que minha família, por parte de mãe, era paulista, de Bragança, Pindamonhangaba, Taubaté e outras bandas do interior... busquei mapas na época, sabia farejar, mas não sabia interpretar os dados.

Os anos se passaram. O assunto, no entanto, foi um desses panos de fundo de minha história de vida. Volta e meia, em conversas eu dizia:

- Tenho sangue de índio.

- Que tribo?

- Não sei, mas vou descobrir.


Fracasso é uma palavra esquisita e meio desconhecida para mim...

O assunto ficou cozinhando em banho Maria. Quase sempre voltava a ele. A ele e à minha infância de internato, no Alto da Boa Vista, no meio do mato carioca. Ah, aquele mato, o cheiro do mato, o som do mato, o andar no mato. Coisas que fazia com gozo de infância ou com sangue de índia? Não identificada com a alma de minha família, talvez sentisse necessidade, com essa descoberta, de me identificar diretamente com a alma da terra...

A Cascatinha da Tijuca fora (e é) minha grande confidente. A ela concedia o privilégio de ler meus pensamentos mais íntimos e dela sorvia o delicioso leite de suas espumas maternais. O Açude da Solidão me dava a força interior de seu lago sempre suave, doce, tranqüilo, translúcido e puro. Em suas águas me olhei muitas vezes e vi meu rosto se transformar de menina em jovem, depois, em mulher. Ainda hoje, ele me revela os traços, as rugas, a maturidade dos anos conseguidos. Volto lá sempre, pois aquela mata é, antes de tudo, a minha casa, a primeira verdadeira casa, a que me ensinou a beleza do silêncio interior, da contemplação, do sentimento de completude e de paz.

Seus símbolos formaram a minha essência, seus animais acompanharam meu desenvolvimento. Seus frutos eram colhidos com delícias mais para o meu coração do que para o meu paladar. Nada ali me inquietava. Lembro-me de ter achado uma cobra morta, no jardim do colégio, talvez façanha do velho jardineiro. Lembro-me de tê-la recolhido com cuidado e trazido comigo para mostrá-la em sua beleza para os olhos assustados das freiras e colegas. Na cobra, que causava temor aos demais, eu só conseguia sentir beleza e satisfação: pele lisa em corpo acolchoado e macio...

Degustava aquela mata, suas árvores, seus frutos, seus animais como se fosse a verdadeira e genuína família a qual tinha o privilégio de pertencer. Andando por ela, ou a contemplando da janela da sala de estudos, horas a fio, não pensava senão na alegria de deixar meus olhos perdidos pelas copas das árvores de vários tons e feitios, meus ouvidos entregues aos seus sons. À noite, os vagalumes invadiam o dormitório e suas luzes povoavam o meu coração. Luzes na escuridão: eles me ensinaram que há sempre luz na escuridão. A mata me ensinou que há conteúdo no silêncio. As caminhadas solitárias me ensinaram que, muitas vezes, é se perdendo que a gente se acha...

Sangue de índio.

Um dia, encontrei João, entre as boas e belas coisas que me custaram a passagem de minha vida acadêmica por uma universidade pública, como professora adjunta, onde, finalmente, pude realizar um de meus grandes sonhos – criar um programa de extensão. Um programa de extensão nos coloca diretamente com o trabalho voluntário junto a uma comunidade. Eu tinha um desses projetos, ligado à Educação Especial, o que me colocou em contato com outros professores voluntários, entre eles, esse magnífico colega, descendente de índios e, claro, fundador de um programa extensionista ligado a comunidades indígenas. Contei minha história, achando que pegara o fio da meada. Ele, generoso, pesquisou, pesquisou, pesquisou. Chegou muito perto de várias possibilidades, pelos mapas geográficos e as sondagens de onde minha família tinha suas origens... nada. Um dia, acalentou meu coração:

- Querida, ser índio não é apenas ter o sangue, é também um estado de espírito.

Sorri. Ele tinha razão... e quase teria esquecido a história finalmente, não fosse uma feira comunitária que todos estávamos organizando para o grande evento anual que iria expor nossas atividades extensionistas ao público, em geral.

Afoita e atirada, sem ter uma ajuda no momento, urgia carregar os apetrechos de minha sala para o espaço da feira. Consegui um carrinho de carga, mas não conseguia um funcionário que desse conta da tal carga. Eu estava com quarenta e oito anos e, sinceramente, tal era a ênfase dada ao trabalho acadêmico, que me descuidava totalmente da manutenção dos cuidados do corpo, caminhadas, exercícios e demais necessidades básicas para uma vida cotidiana com corpo em forma, saudável. Importa esclarecer esse sedentarismo para explicar o que se sucedeu. Comecei, sozinha, a carregar a carga, que de leve não tinha nada. E foi no momento em que levantava com muita facilidade uma televisão avantajada para o meu peso e tamanho que João passou pelo corredor, me viu e exclamou:

- Você é Puri!

Puri? Sim, Puri. Uma tribo de hábeis pescadores que vivera no litoral do Espírito Santo e Rio de Janeiro, mas que, com a chegada dos portugueses se dispersou pelo interior do Brasil. Pacíficos, mais tarde, se aproximaram dos colonizadores e era comum sua presença nas fazendas como agregados (aí é que deve ter entrado o meu ancestral...). A história registra um grande massacre dos índios puris pelos habitantes que formaram a cidade de Resende.

Ora, minha mãe nascera em Bragança, mas fora criada em Resende, onde morava uma boa parte de sua família ancestral! Foi ali que cresceu e se formou normalista. Além disso, esses índios também habitaram regiões onde hoje se localizam as cidades de Taubaté, Lorena, Guaratinguetá, tudo bem conhecido e habitado por minha família materna. Mostrei-lhe novamente a foto de minha avó, esmaecida pelos anos. Olhou-a cuidadosamente, acenou com a cabeça:

- É provável.

Para mim, o provável passou a ser o certo. Tudo conferia!

Mas por que João descobrira que eu poderia ser puri, só ao me olhar carregando uma televisão de grande porte?

- Pelo cheiro, me respondeu ele, sorrindo. Depois acrescentou:

- Os puris eram baixos, mas de musculatura muito forte, muito ágeis. Só juntei as peças.

Eu tinha sido esportista no colégio, do time oficial de vôlei e campeã de corrida. Não havia quem me barrasse ou fosse mais ágil que eu. Conferi os dados e me batizei Puri.

Gostei de me batizar Puri. Gente mansa e tímida, que é o que significa o nome, lá na língua deles, de origem um pouco desconhecida, cujos ancestrais foram os Coropós e os Coroados. Não sou tímida... essa característica deve ter sumido por influência do sangue paterno. Mansa? Não sei, os amigos poderiam dizer melhor. Mas ágil e forte...

Puri. De puro, sonhei eu, em paralelo com os sons de nossa língua... de uma pureza vinda da selva ou do interior escondido no que temos de mais sublime em nossa origem como seres humanos. Puri.
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domingo, 23 de maio de 2010

ÉSQUILO


Se você já leu o conto “Madre”, entenderá sua influência em minha formação em cultura clássica na universidade onde fiquei por muitos anos.

Entre os autores gregos, Ésquilo era seu favorito. Sabia suas peças de cor, com sua memória prodigiosa, mesmo aos oitenta anos. Memória? Na verdade eu não sei como denominar o seu cérebro nesse sentido. Ela não fazia a chamada na turma. Após a aula, abria o diário de classe e ia recitando os nomes: Ana veio, Ana Lucia não veio porque o marido está doente, Angela está com gripe, Angelina veio... 45 alunos em cada turma!

Assim, saber sobre Ésquilo e citá-lo era uma façanha das menores... e como gostava muito do autor, suas peças tinham privilégio na programação do curso, que tinha de ser seguida religiosamente por mim.

Ah, Ésquilo, de quem ela falava como se estivesse falando de um primo da família... e, claro, isso me influenciou bastante nas minhas aulas de juventude. Mas o fato esdrúxulo e fantástico aconteceu em uma manhã de quarta-feira, na aula de cultura clássica, e merece ser descrito, tanto pelo fantástico da situação, quanto pela reação da turma.

Amo os trágicos, sem exceção. Mas me parecia que Ésquilo tinha o dom da invocação aos deuses, por ser, talvez, o que mais fez reflexões filosóficas a respeito deles. E embora possa dizer o mesmo de meus igualmente amados Eurípides e Sófocles, jamais os invoquei com tanta convicção como o fazia com ele. Acredite você ou não, embora eu não tenha religião, tenho meus deuses e heróis protetores pedindo sempre que olhem por esta alma panteísta em suas excursões dentro ou fora do Olimpo. Que assim seja.

Libações feitas, vamos aos fatos:

Um dia, entrei em aula com a programação de uma tragédia clássica. Lembro-me até hoje do mapa dessa sala: retangular, no segundo andar, sala 201. A porta dando diretamente para um corredor comprido, aberta pela lateral, próxima à mesa do professor. Uma das poucas que ainda guardavam as características da academia clássica – tinha um estrado alto de madeira, com a mesa no centro dele e o quadro negro atrás. Portentoso. Agora, quase trinta anos depois, tudo deve ter mudado bastante. Mas quem teve aula comigo, naquela época, com certeza, se lembra disso.

Entrei, deixei as pastas e livros sobre a mesa, me virei para o quadro, escrevi o nome de Ésquilo e da tragédia que seria dada naquele dia. Aula típica dos anos 70. Mas eu sempre gostei de brincar com os alunos, em sala, pois, afinal, uma aula inteira sem uma piadinha ou outra é difícil de agüentar. Assim, antes de começar a falar sobre o autor, soltei a frase:

- Hoje vamos falar de uma das peças mais importantes da Literatura Grega. Que Ésquilo nos proteja.

Coincidentemente, talvez levada pelo vento, a porta entreabriu-se. Deixei-a como estava e não perdi a oportunidade:

- Que seja bem-vindo! E que eu faça jus a seu nome.

Desci do estrado, dando ao grande dramaturgo clássico o lugar de honra da sala. Para levar adiante o clima da peça, pedi permissão ao mestre e que ele me protegesse em minha aula e passei a falar sobre o autor e o texto em questão. Também para manter o clima alimentado pela presença dos deuses na peça, no final da aula, voltei-me novamente para a mesa em cima do estrado, eu abaixo dele e disse:

- Obrigada por sua presença, grande mestre. Espero te-lo apresentado à altura. Seja sempre bem-vindo!

O vento provavelmente resolveu colaborar mais uma vez e a porta que se mantivera entreaberta até então, fechou-se novamente.

Não é preciso dizer: cerca de cinco alunos trancaram a inscrição na disciplina.

Nunca mais invoquei deuses ou heróis clássicos em minhas aulas. Pelo menos, não em voz alta...

domingo, 16 de maio de 2010

DANK U WELL


Como lingüista, a primeira expressão que busquei aprender tão logo aportei em Amsterdã foi “muito obrigada”. A gente não consegue dar um passo em qualquer lugar do mundo sem saber pelo menos isso, na língua do lugar, não é mesmo? É o mínimo de delicadeza que podemos ter ao sermos recebidos como visitantes na casa de alguém. Pois então: “dank u well”, na tentativa de pronunciá-lo com um belíssimo sorriso ao estilo holandês que, diga-se de passagem, é um dos sorrisos mais floridos do norte europeu.

Não é preciso pronunciá-lo com perfeição. Os holandeses são gentilíssimos e sabem que a sua língua só consegue ser falada por eles mesmos ou com muito custo e boa vontade (além de um esforço quase sobre humano), por algum ser desavisado (ou muito bem avisado?) que resolve morar lá. É por isso que quase todos eles tem a delicadeza de falarem inglês... mas dank u well é mesmo irresistível de se dizer (w com som de v e ll com som de l mesmo). Soa bonito, amável, charmoso. Além disso, é só você experimentar o viço de Amsterdã que se sente compelido a agradecer: pelas pessoas e para as pessoas, pela beleza da cidade, pela vida ter proporcionado a oportunidade de estar lá: dank u well!

Amsterdã só pode ser mais um dos capítulos à parte em minha vida. Se é que eu não faça um capítulo à parte de tudo. Não posso reclamar. A vida tem sido pródiga comigo, tanto nas alegrias quanto nas tristezas, nos prêmios e nos aprendizados duros, fazendo com que desfrute ou frutifique na medida das dores e das alegrias, sempre muito bem contrabalançadas. Temperada, assim, a minha existência, acho que só tenho a agradecer. Nada veio manso e as fortes crises salpicadas de descansos, me ensinaram que os dias devem ser vividos passo a passo, sem perda de vitalidade. E Amsterdã foi um desses prêmios. Um doce prêmio.

Passear pela praça da estação de trens, bem no centro da cidade, em pleno verão, é encontrar carrocinhas de sorvete com cartazes escritos: “estamos no verão, tome sorvete!” Só mesmo Amsterdã poderia ter a idéia de contar desta forma aos seus cidadãos e aos turistas, em duas línguas (o cartaz também estava em inglês), que chegara o verão, já que ostenta seus 16 graus centígrados, em pleno mês de julho. Com o aquecimento global, quem sabe, tenha melhorado. Preciso voltar para conferir.

Uma das coisas mais interessantes que observei foi o movimento do final do dia. Aqui, as pessoas vão para casa, muitas vezes, passando pela padaria para levar pão para o jantar ou para o lanche. As holandesas passam pela floricultura. É extremamente interessante estar perambulando pela cidade no final do expediente e observar a quantidade de mulheres carregando ramalhetes de flores para casa. Faz parte da rotina. Flores frescas, lindas, coloridas, combinando com as peles brancas das jovens e das senhoras, cujas faces ostentam, muitas vezes, um leve tom rosado. Flores para cá, flores para lá, passeando pelos bondes amarelos que não param para você passar de jeito nenhum. Se bobear, passam por cima, pois quem está errado é você. Eles tem um tempo rigorosamente preciso para parar em cada ponto e saírem desabalados outra vez para atenderem à escala de seus horários. Eu mesma quase fui atropelada por um desses e o motorneiro reclamou comigo naquela língua sonora e incrivelmente ininteligível... O bonde amarelo de Amsterdã deveria ser peça tombada da cidade. Quem foi, sabe. Será que ainda existe?

Talvez possa dizer que Amsterdã seja, de certa forma, o Rio de Janeiro da Europa. A graça, a piada sempre pronta, o jeito, a ginga, embora “a la” européia, está presente nos cidadãos. Brincam até com o fato incontestável de saberem que sua língua é impossível e que inglês é o único acesso a nós. Mas, também, só dão chance ao inglês. Lembro-me de um cartaz de rua, cuja foto fiz questão de tirar. Estava saindo do Rijksmuseum, o maior museu da Holanda, de visita obrigatória, pelas artes e pela história. Senti dificuldade de acompanhar o passeio turístico com um folheto todo em inglês, com tantos termos técnicos. Sentia falta de algo em francês ou espanhol, línguas em que tenho mais facilidade. Nada. Assim, depois de muita paciência e dedicação à arte, com leitura cuidadosa, lá estava eu saindo do museu, quando me deparei com o tal cartaz, de frente para o museu, com apenas esses dizeres: “Oui, monsieur! The problem is: I don’t speak French”. Esta é (ou foi) a Amsterdã que eu conheci.

Havia (ou há) uma praça onde consumir drogas é permitido publicamente. Eu não sabia e também esqueci o nome da tal praça. O fato é que descobri da forma mais engraçada possível. Comprei postais numa loja e resolvi escrever ali mesmo para amigos brasileiros. Naquele tempo, usava-se mandar postais. Hoje escrevemos mails em nossas viagens. Pois bem... achei uma praça e me sentei numa escadaria (a tal escadaria da praça, onde as pessoas consumiam drogas) e comecei minha tarefa. Pessoas a minha volta, começaram a me oferecer as mais diversas drogas. Eu, gentilmente, recusava, como já tinha me acostumado a fazer em toda cidade. Sim, porque, naquela época, passar pela rua e oferecerem drogas para comprar era um hábito natural aos transeuntes. Você agradece, acena que não com a cabeça, segue em frente e não é mais incomodado(a). Mas ali, cada um que me oferecia fazia uma cara estranha ao me ver negando. Começou a me incomodar de tal jeito que percebi que os estava incomodando também. Foi aí que percebi que estava no meio de uma roda de pessoas me olhando com cara de parede, sem saber o que fazerem comigo, que me negava o que, segundo a tradição e os costumes, eu estaria ali para fazer. Saí de fininho, quase pedindo desculpas. Se soubesse como se pedia desculpas em holandês, juro que o faria.

É muito difícil eu beber. Em viagem, então, nem pensar. Fico com medo de pagar algum mico, já que apenas duas taças de vinho são mais do que suficientes para me deixarem bem alegrinha. Mas bebi uma taça de vinho, ao jantar num simples, mas excelente restaurante na parte velha da cidade. Uma área romântica, muito interessante de ser visitada. E, como lá, no verão, só anoitece em torno das 22.30, saí caminhando por ali, rumo ao hotel, observando o lugar. Foi quando pensei que estivesse realmente muito bêbada. Ocorre que comecei a achar os prédios tortos. Atravessava a rua para ver melhor e achava que os prédios estavam tortos. Olhava para a base dos prédios e os achava tortos em relação à calçada, em relação aos postes. Fiquei zangada por ter bebido. Irritada mesmo. E fui dormir de mal comigo. Na manhã seguinte, voltei para curtir o romantismo do lugar e constatei que os edifícios estavam mesmo... tortos!!! Há uma parte da cidade em que eles simplesmente afundam e ficam tortos!!! Fui conferir no manual turístico que levava comigo. Era isso mesmo. Os prédios eram rigorosamente fiscalizados pela prefeitura, por conta da segurança. Você poderia imaginar uma coisa dessas? Pois é. Tirei muitas fotos para nunca mais me esquecer da sóbria bebedeira que tomei...

A última e mais bela lembrança de Amsterdã deu-se também à noite. Eu acabara de passar por uma loja de souvenirs e vi um postal com uma lua cheia enorme, uma espécie de montagem, pois uma lua alta não pode ser tão grande. Iria embora no dia seguinte e comprei o postal apenas por achá-lo muito bonito, nessa montagem com o centro velho da cidade. Saí por ali, já noite alta. Deveriam ser umas 23 horas e a pouca luminosidade dessa parte antiga da cidade, deixava mais lindas e românticas as luzes que enfeitavam os canais que são numerosos por toda aquela região. Mas havia muita luminosidade para as poucas lâmpadas, que não poderiam refletir tanto prateado nos rios que serpenteavam preguiçosos por baixo das pontes àquela hora da noite. Levantei os olhos e me deparei com uma lua cheia enorme, como nunca vira. Por coincidência, mais ou menos no mesmo lugar do postal que levava em minha bolsa. Fiquei estarrecida. Uma bola de luz, uma lâmpada enorme, resplandecente, espalhando seus raios por toda parte... Não era montagem. Busquei o recanto do postal. Não o encontrei, mas tirei uma foto mais ou menos no mesmo ângulo, para levar de recordação. Não sei explicar por que a lua alta, em Amsterdã, pode ser tão grande e bela a tão altas horas da noite. Sorte a minha estar lá na lua cheia. Noite suave e branda... e incrivelmente branca.

Saí de Amsterdã com a sensação de que voltaria. E voltarei, estou quase certa disso. E não mais só pela beleza e delicadeza da cidade, mas porque, hoje, tenho lá uma querida amiga brasileira, dessas que acham um holandês, com ele se casam e tem três filhinhos adoráveis. Voltarei. Quero vê-la para matar as saudades, para conhecer seus filhotes, pois seu marido eu já conheço e, com certeza, para vê-la falando holandês e provar a mim mesma que é possível aprender aquela língua depois de adulta e conseguir se fazer entender. De brinde, mato saudades da cidade também.
Dank u well, Amsterdã. Guardo você em meu coração.

domingo, 9 de maio de 2010

A MADRE



Tinha acabado de me formar, quando fui chamada pela titular da cadeira de Língua Grega e Cultura Clássica da Universidade. Queria que eu a assessorasse na disciplina, pelo período de um ano, já que estava preparando duas alunas, há quase quatro, para serem suas futuras assistentes.

De saída, disse que não. Aula de grego? Nem pensar! Como iria ensinar grego com meus míseros dois anos de estudo da língua em meu currículo de Português e Literatura? A titular, no entanto, não era pessoa de receber um não. Ah, isso não era não... e me armadilhou com a promessa de que a primeira vaga em língua portuguesa, seria minha, se eu aceitasse. E ela tinha influência suficiente para conseguir isso. Depois, sem me deixar muito tempo para responder, mandou meus 22 anos de juventude para casa, para pensar por uma semana. Garantiu-me que me prepararia o suficiente para pegar o primeiro período, em março, após um árduo treinamento de três meses.

Saí entontecida. Sabia que diria não. Comentei com Virgínia, minha grande companheira de turma, minha amiga do coração. Éramos tão inseparáveis que a turma nos chamava de Cosme e Damião. Pois bem, Virgínia é uma peça. Uma peça rara em todos os sentidos. Diz a coisa mais séria do mundo no meio de uma estrondosa gargalhada:

- Ué, quem sabe grego aqui? Só você e a titular mesmo. Aceita. Os alunos não vão nem notar.


Essa era a Virgínia, fazendo pouco dos meus desesperos, sabendo o quanto de cdf eu tinha para aprender grego em três meses, se fosse necessário. Ainda mais com uma titular daquelas!

Precisava trabalhar, mas não me venderia por uma promessa de um futuro, mesmo que promissor. Não aceitaria.

Uma semana depois, como tinha sido estabelecido, no lugar e hora determinados pela mestra, lá estava eu, com a resposta ensaiada, agradecendo o privilégio, mas recusando. Entrei na sala contrita, mas trêmula. Dizer não a ela exigiria um artesanato mental. Era a única freira que dava aula no Curso de Letras e, diga-se de passagem, uma das fundadoras da Ordem no Brasil, ou melhor, uma das fundadoras do ensino universitário da Ordem, no Brasil. Sotaque francês carregadíssimo, um tigre andando pelos corredores, bem à moda do início do século. Desnecessário dizer que nascera em 1899 e estávamos em 1973, mas ela mantinha a classe do início do século, chamando a todos os alunos de senhor e senhora, pura formalidade do século XIX. Precisa dizer mais? Pois então, era para ela que eu iria dizer não.

E não disse. Ela não me deu tempo. Parece que adivinhava a minha resposta e já me esperava sentada à mesa, com livros e gramáticas de grego (escritos por ela mesma e reconhecidos internacionalmente). O que ela queria comigo, afinal? Sempre fora boa aluna, tinha tirado 10 em todas as avaliações de grego, é certo, adorava a língua e a cultura clássica, mas... sequer fora sua aluna, já que quando fizera a disciplina ela estava na Grécia! Por que seus faróis apontaram na minha direção? Por que não dava a disciplina a quem tinha sido meu professor? Só os deuses me explicarão um dia. Mal entrei na sala e antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela disse:

- Temos muito o que fazer, teremos aulas de grego todas as manhãs, das 8 às 12 horas, durante esses três meses. À tarde, a senhora estudará em casa e me mostrará o resultado de seus exercícios na manhã seguinte. Pararemos aos domingos, para o descanso sagrado. Trouxe um caderno? Vejo que não. Poderá providenciar para a aula de amanhã.

Assim, de uma tacada só, ela falou apontando a cadeira a seu lado e eu, com a respiração em suspenso, me senti aquela menininha do colégio de freiras diante daquela beldade, respeitada e homenageada pelo governo grego, tendo recebido as chaves de Athenas, do próprio prefeito da cidade, em uma de suas visitas ao país sagrado. Tá bom ou quer mais? Aquilo tudo, ali, na minha frente, sem que eu conseguisse reagir. Só me restava eu mesma me convencer de que aquela era uma das grandes oportunidades da minha vida. E foi. Desnecessário dizer que suas alunas assistentes, por caminhos diversos que a vida traça, não puderam assumir a cadeira no ano seguinte. Uma delas acompanhou o marido em viagens profissionais e só voltaria dois anos depois, outra casou e não trabalhou. Sobrava para mim, com certeza. Mas ela mesma já havia se encarregado de que não me dispensaria de todo, pois, ao longo do ano, as relações tanto profissionais como de confiança mútua estavam se fortalecendo. Sem contar que eu já estava completamente apaixonada pelo grego...

Aos poucos percebi que o tigre era um tigre de fachada, ou melhor, um tigre de papel. Sua formalidade escondia um carinho imenso, um carinho disfarçado, mas suave e brando. E ela conservava uma criança interior incrível, escondida por trás de sua disciplinada forma de ser publicamente. Com o correr dos anos, nos transformamos em grandes amigas, para espanto de todos, que a tratavam com o respeito que se dá a uma rainha. Mal sabiam... Quantas vezes eu a pegava de carro e fugíamos Rio afora. Ela adorava ir à Barra da Tijuca, num posto de sorvete, na época intitulado “Sem nome”. Ali, não havia dia que repetisse o mesmo sabor de sorvete. Eu sempre pedia o de creme ou de ameixa, mas ela já teria provado quase todos. Dali, íamos ver os surfistas para que ela se deliciasse com as ondas, sentada na areia, com seus mais de 70 anos de idade, uma corcunda considerável que dificultava muito seu caminhar, mas que, incrivelmente, apenas lhe dava um toque a mais. Era ali que ela descansava sua saudade das praias bretãs.

Num desses dias, estávamos tomando sorvete e um grupo de surfistas, meninos e meninas, todos adolescentes, se aproximaram. As pranchas de surf a atraíram imediatamente e, em menos de cinco minutos, estávamos eu e o vendedor no balcão, enquanto ela, com um sorvete (provavelmente de manga misturado com alguma outra fruta exótica), já se misturara com os meninos, pedindo licença para passar as mãos nas pranchas, coletando mil informações. Aquela freira de hábito longo, no meio de meninas com biquínis minúsculos e meninos de sungas apertadas merecia um quadro modernista. Mas eu estava sem a máquina e, mesmo que tirasse a foto, talvez ninguém na Universidade acreditasse que era a mesma pessoa. Nesse dia, ela saiu com um monte de papeizinhos, com telefones que garantiriam também sua entrada na Pedra Bonita para ver de perto as asas delta, que estavam começando a fazer sucesso na época. Imagine! Era também uma de suas paixões ir à praia do Pepino para ver essas asas de Ícaro pousarem. No início, eu ficava surpresa com essas empreitadas, mas, com o tempo, fui me acostumando e, não raro, fugíamos literalmente para Grumari, Prainha ou Floresta da Tijuca, em passeios incansáveis, de papos amenos e muitas lições de vida.

Ela era mesmo incrível e nosso carinho mútuo, maternal-filial, não pode ser descrito. Tento, apenas, evocar o sentido. Um exemplo da suavidade e feminilidade de seu coração pode ser contado em um dia em que estava adoecida. Fui visitá-la e, geralmente, não se pode ver uma religiosa acamada. Ela não estava mesmo nada bem e eu queria apenas que ela soubesse que eu tinha ido lá, levando-lhe algumas frutas. Era como meu carinho poderia alcançá-la. Qual não foi a minha surpresa, quando a religiosa voltou me dizendo que a seguisse! Fui vê-la, em seu pequeno quarto, deitada com sua camisola, bastante pálida, mas me dizendo tranquilamente que não ficasse preocupada, pois estaria bem dentro de dias. Minha juventude perguntou o que ela queria que eu fizesse, que pedisse qualquer coisa!

- Qualquer coisa?

- Sim!

- Qualquer mesmo?


Minha juventude a postos:

- Sim, qualquer coisa.

Ela sorriu e disse:

- Todas as noites, aqui deitada, vejo a lua através da janela e a acho tão linda... você a traria para mim?

Sorri. Era assim que ela me ensinava as coisas sobre a vida...

Anos mais tarde, quando resolveu se aposentar, retirando-se para a casa de repouso da congregação, em Salvador, contava os 80 anos de idade e fez questão de se despedir de mim, por último, no aeroporto. Enquanto se despedia me convidando a visitá-la sempre que quisesse, pela primeira vez, explicitou diretamente seu carinho por mim. Não que eu não soubesse, mas jamais tinha ouvido:

- Deus lhe deu uma vida difícil, minha filha, mas... em compensação... presenteou-a com o carinho de uma segunda mãe.

Não respondi. Não conseguiria! Apenas abracei-a esforçando-me ao máximo para atender a seu desejo de véspera:

- Por favor, não chore amanhã. Também vou sentir saudades, mas aos 80 anos, preciso me retirar do Rio. Há muitas traduções de peças gregas e um dicionário etimológico que também quero escrever.

Aos oitenta anos, ela se retirava do trabalho de dar aulas, para poder trabalhar mais. Pode? Pode. Deixou a cadeira de língua grega em minhas mãos, atividade que levei até 1986, quando me retirei dessa Universidade. Visitei-a muitas vezes, até sua morte, dez anos depois. Saudades sempre. Até hoje. Mas agora se traduz como uma lembrança suave, amiga e gentil.

O fato é que este imenso amor à arte grega, que já estava entranhado em mim, desde minha infância, foi devidamente alimentado por tão espetacular criatura.

E passei a assumir a cadeira de grego, mais especificamente, língua grega, a partir de então, já que também dava aula de língua portuguesa, como ela havia prometido, desde o início. As aulas de literatura passaram para uma daquelas antigas alunas, que voltara do exterior com o marido.

Visitei-a, muitas vezes, para estarmos juntas por uma tarde, tomarmos um chá e para fazer-lhe companhia para rezar duas aves-marias, uma em francês e outra em grego, pois era a única pessoa disponível com quem ela podia contar para compartilhar a oração que mais amava recitar, nas suas duas línguas prediletas. Eu nem me considerava uma pessoa religiosa, mas, naquele momento isso não tinha a menor importância. Lembro-me que, em sua missa de sétimo dia, fui apanhada, de surpresa, com o celebrante me tirando da platéia para dizer algumas palavras sobre ela, já que eu era a pessoa mais chegada que todos conheciam. Não conseguia dizer palavra, mas tenho certeza de que foi ela que veio em meu socorro, ainda desta vez, e eu apenas disse:

- Não consigo dizer nada sobre ela hoje. Mas sei que podemos fazer algo de que ela gostaria muito. Rezemos a Ave-Maria, sua prece favorita.

Essa foi minha segunda mãe. Quando íamos ao consulado juntas, como as vestes de todos os convivas eram dos mais variados tipos, seu hábito não era interpretado como religioso e, como ambas tínhamos olhos claros, por muitas vezes perguntavam ao se aproximarem dela, após ela ser apresentada como a autoridade na área no Brasil:

- E esta é sua filha?

Ela sorria e apenas respondia:

- Posso dizer que sim.

- Seguindo os passos da mãe?

- Com certeza, sim.


Lembro-me de seu sotaque carregado, de um francês-bretão puríssimo. Lembro-me de suas peças traduzidas, linha a linha, pois eu fui revisora de todas, já que ela, sendo francesa, confiava em mim para a arte final. Tenho, até hoje, a tradução de sua última peça, cuja cópia tirei e cujos originais entreguei à Ordem Religiosa a que pertencia para que fosse devidamente publicada. Nunca aconteceu, pois isso jamais foi prioridade lá. Quando ela era viva, sua própria autoridade na Ordem lhe dava acesso direto à gráfica e às providências necessárias. Desta peça, eu fui a única privilegiada na leitura e sinto tê-la de guardar apenas comigo, pois os direitos autorais dependem da Ordem. Nada posso fazer.

Seu dicionário etimológico, segundo o que tinha me informado, em minha penúltima visita, já tinha chegado à letra R e estava esperando terminá-lo para colocar a revisão em minhas mãos. Adoeceu e faleceu em breve espaço de tempo. Quando a vi pela última vez, estava semi-consciente e dela apenas pude ouvir, a muito custo, que nosso próximo encontro seria na eternidade. Assim, nada pude fazer, pois não tive acesso a esses tesouros. Avisei à Ordem sobre a preciosidade que estava guardada entre seus pertences e que estava pronta a fazer as revisões necessárias. O original, no entanto, nunca chegou a minhas mãos. Eu já não trabalhava mais na Universidade, mas estava pronta a fazer o trabalho, sem custos, pelo tanto que ganharíamos, tendo esta preciosidade publicada. Seu dicionário não veio a público. E nunca mais soube de seus escritos.

Guardo com carinho as cópias dos originais de sua ultima peça traduzida, cuja tradução, aliás, não existe em português, até hoje. Sua letrinha tremida, fazendo comentários nas margens, segundo minha revisão.

Seu falecimento deu-se em 1990, justamente no seu aniversário de 90 anos. Dizem que é um privilégio morrer em seu próprio aniversário. Foi o que aconteceu.

Entre todas as memórias, guardo, sobretudo, a imagem fantástica daquela figura entre jovens com biquinis minúsculos e sungas justíssimas, ela, com quase oitenta anos, no final da década de 70, alisando as pranchas de surfe, chamando os jovens de senhores e senhoras e voltando com os olhos brilhantes, a mão cheia de pedacinhos de papel rasgados com vários números de telefones e me perguntando:

- Quando vamos à Pedra Bonita vê-los saírem em seus vôos?

Vez por outra, vou à Pedra Bonita, olhar a magnífica paisagem, dar asas a minha imaginação, descansar meus sonhos, carregar meus pulmões com o ar do Alto da Boa Vista e curtir esse pedaço de céu, em pleno Rio de Janeiro.

Entre meus pensamentos, ela sempre aparece e posso dizer com intensa felicidade interior:

- Agora você já pode voar de onde e para onde quiser, à vontade, com suas asas deltas naturais, entre a paisagem e os deuses.
Se tiver um tempinho, olhe um pouco por mim!

domingo, 2 de maio de 2010

DOGMAS E CRENÇAS


Muita informação para uma menina que acabava de entrar num internato. Minha prática religiosa se resumia a eventuais missas dominicais, levada pela minha mãe e uma prece noturna automatizada e não explicada a um anjo da guarda com quem deito e levanto, com a graça de deus e o divino espírito santo. Sabia também rezar a ave maria e o pai-nosso, não me lembro se completos.

Virgem assim dos conceitos religiosos, fui logo encaminhada para a classe especial de preparação para a primeira comunhão, pois já estava com sete anos, caminhando rápida para os oito, tão logo entrara no colégio.

Ah, a psicologia humana!!! Logo na primeira aula, a freira cismou de dizer que, se fossemos boazinhas, quando morrêssemos, iríamos direto para o céu, onde passaríamos a eternidade na santa contemplação divina.

Eu não queria ir para o céu, ficar sentada pelo resto da minha vida ali, quieta, olhando pra Deus. Ao confessar isso, não sabia do desastre que estaria causando e de todos os sustos que se seguiram. Fui retirada imediatamente da sala, a caminho do gabinete da senhora superiora (assim era chamada a irmã diretora do colégio), como alguém que deveria ser afastada do santo retiro monasterial imediatamente.

- Essa menina não pode conviver conosco, colocando em risco a fé de suas colegas, as verdades divinas, os sacrossantos dogmas que salvam nosso espírito das chamas infernais.

Eu nem sabia o que estava significando aquilo tudo, mas percebia que, pelo visto, eu estava me transformando numa ameaça social. E das graves. Os olhares das freiras, no entanto, não poderiam estar tão assustados quanto os meus, pelo tanto que me lembro da situação, no meio daquelas desconhecidas, mal entrara no colégio, sem entender o que estava acontecendo. Eu não sabia que crime cometera. Eu disse o que me parecia decente e óbvio. Será que elas gostariam de ficar sentadas sem fazer nada, pelo resto da eternidade, olhando para aquele olho dentro de um triângulo, que eu vira no livro de catecismo? Se é que eu sabia o que era a eternidade...

O capelão do colégio, o monge beneditino que acompanhou oito, dos meus dez anos de internato, foi chamado às pressas e, depois do susto inicial, conseguiu resolver a situação, não sem muito trabalho. Lembro-me de seu sorriso condescendente, de sua voz calma, grave, suave, dizendo que eu era apenas uma criança.

Segundo a catequista, no entanto, eu era uma criança que, a seguir por aquele caminho, seria uma ameaça para os dogmas da Igreja. Lembro-me bem dessa freira, olhos sempre amedrontados andando pelos corredores do colégio, incapaz de nos olhar de frente, como se o mundo conspirasse para lhe armar algum ardil. Pobre criatura. E ela tinha sido designada para cuidar de minha formação religiosa, antes que eu pudesse acompanhar as classes normais, com as demais da minha turma. Explico melhor: eu estava no segundo ano escolar e, portanto, um ano atrasada no que se referia aos ensinamentos divinos. Ademais, estava tendo essas aulas com meninas um ano mais novas do que eu e, portanto, exercendo uma péssima influência de irmã mais velha na formação das mentes desses anjinhos infantis.

Estava claro que ela não me considerava anjo algum. O que será, então, que eu seria? Não tinha coragem de perguntar.

Depois de muita contestação, fui acatada novamente, sem precisar da chamada de meus pais ao colégio. Para que você entenda o que isso significa, chamar os pais ao colégio por alguma causa provocada por comportamento era gravíssimo e só ocorria em última instância. Não me lembro de pais que fossem chamados ao colégio com muita freqüência, em meus dez anos de internato. Talvez, quem sabe, umas duas ou três vezes, no máximo, em relação a colegas que tinham enfrentado códigos de ética gravíssimos. Para nós, humanos comuns, esses códigos eram baseados, muitas vezes, em imbecilidades inexplicáveis, mas gravíssimos na sede religiosa da perfeição. Como exemplo, beijar o namorado na quermesse. Lembro-me, até hoje, da aluna em questão, expulsa no mesmo dia: Beth 109.

Quando havia mais de uma aluna com o mesmo nome em uma turma, agregávamos ao nome, o número de internato. Na época, na nossa turma, tínhamos a Beth 5, a Beth 6 e... a Beth 109. Linda menina, lindo namorado. Espero que tenham se casado e sido muito felizes, pois, pelo que me lembro, amavam-se como dois pombinhos.

Mas ainda estou com sete anos, beirando os oito e com um problema religioso a ser enfrentado. Continuaria no colégio, mas... o que fazer com a minha língua? Ficou ali mesmo decidido que eu estaria para sempre proibida de abrir a boca nas aulas de religião. A senhora superiora da época, de olhar não raro amedrontador, foi bem explícita:

- Você não poderá falar nada nas aulas de religião desde hoje até sair do colégio. Limite-se a apenas responder, quando lhe for perguntado.

Assinado o “edital”, com o lacre de fogo da voz da senhora superiora, o padre sorriu, a catequista olhou-me com olhar revoltado e eu fui encaminhada de volta a minha turma, com a primeira lei do meu código de ética registrada em meu cérebro: ”silêncio nas aulas de religião”. Sempre fui disciplinada, para não dizer obediente, em ordens desse tipo. Para mim, eu tinha violado princípios. Não tinha muita idéia do que eram, mas tinha consciência da gravidade da infração.

O que elas não sabiam é que tinham inaugurado, em mim, o maior e melhor princípio filosófico que levei pelo resto de minha vida: um espírito crítico rigoroso sobre dogmas, fossem religiosos ou não. Eu não podia falar, mas esta proibição aguçou meu espírito e meu senso crítico. Se eu não podia falar, talvez eu fosse capaz de fazer perguntas embaraçosas e, se eu era capaz de fazer perguntas embaraçosas, talvez os dogmas fossem coisas que ameaçavam as crenças. E, se ameaçavam as crenças, talvez não fossem tão fortes e consistentes. Se não eram tão fortes e consistentes... bem, é evidente que isto não estava assim tão claro em minha cabeça infantil, mas a semente do mal (no caso, o bem), estava instalada no meu coração e este primeiro confronto com o pensamento dogmático influenciou profundamente a minha formação individual dali por diante.

O que elas não sabiam e nunca passaram a saber, pois com o tempo, naturalmente, se esqueceram do castigo, é que fui fiel ao compromisso assumido: jamais, até os dezoito anos, abri a boca nas aulas de religião, mesmo quando a mestra de classe nos perguntava se tínhamos alguma dúvida. Silenciava, então, não mais por uma obrigação, mas porque estava cada vez mais convencida de que não teria as respostas que buscava. Eu entendera que não era para ter dúvidas sobre dogmas religiosos. Só não conseguiram me convencer de que era obrigada a acreditar neles. Como não falava, nem disso elas desconfiavam. E via-me livre para pensar, sobre tudo aquilo que ouvia, conversando comigo mesma. Na verdade, no fundo, não havia revolta em mim no que eu ouvia. Apenas uma análise silenciosa.

Pobre freira catequista. Agradeço-lhe de todo coração a maior lição religiosa que eu poderia ter tido, mal atravessara os sacrossantos portais da santa fé. Não fosse você, cara irmã, talvez eu não tivesse despertado tão cedo. Espero que, onde quer que esteja, passadas tantas e tantas décadas, um lugar de luz lhe tenha sido reservado por essa magnífica contribuição a minha formação espiritual. Agradecimento sincero, que espero poder fazer, quem sabe, diretamente, em algum plano espiritual, algum dia.

Isto posto, gostaria de saltar uns anos, mais precisamente, seis. Eu estava com treze e minha visão de fé continuava contestadora. Não que eu fosse rebelde. Isso não. Passara pela primeira comunhão, pela crisma, tinha sido cruzada eucarística, filha do sagrado coração de jesus, enfim, todos os quesitos sendo cumpridos, como deve acontecer num colégio religioso. Isso não me incomodava, não mexia com minhas convicções. Não gostava muito dos rituais, mas não me perturbava ser isso ou aquilo. Assistir à missa todos os dias fazia parte do meu cotidiano, como assistir às aulas, tomar banho, me alimentar, estudar, bordar, ter recreio. Tudo isso estava incorporado à rotina e rezava o terço e as ladainhas às 17:30, pensando em mil outras coisas, como acontece com crianças e adolescentes, lábios automatizados na prece.

Mas achava lindo o canto gregoriano, afinadíssimo e melodioso. Até fazia parte do coral da capela, para as missas cantadas dos domingos, que duravam duas longas horas, para deleite do padre capelão. Fazer parte do coral era uma distração, não só porque tínhamos licença para ensaiar uma vez por semana durante um dos estudos da tarde, o que já era uma concessão e desvio da monotonia diária, como também uma forma de fazer alguma coisa ativa, e ainda por cima bonita, durante a missa, no coro da capela, em vez de ficar no banco lá embaixo, assistindo à missa e tomando conta das meninas menores, que cochilavam esperançosas de que as infindáveis preces terminassem e de que a hora do café da manhã chegasse logo. Eu tinha uma bela voz e gostava de cantar. Isso não tinha nada a ver com acreditar num deus sentado lá em cima, cofiando as barbas brancas (por que não seriam ruivas, se ele é eterno?) e olhos perscrutadores, em busca de nossos pecados. Não. Tinha a ver com o encantamento do canto afinado, do conjunto das vozes que acompanhavam o melodioso órgão da capela, pela irmã responsável por nossas aulas de piano e canto. Doce irmã. Disso eu gostava.

Assim transcorreram minhas funções religiosas até os treze anos. Eu era uma menina saudável, ativa, compenetrada, estudiosa, esportista e, segundo as freiras, exemplar. Claro. Minha formação de princesa começara aos sete anos e eu servia de modelo para minhas colegas.

Só não tinham percebido que eu continuava muda nas aulas de religião.

Àquela altura, a irmã catequista não estava mais no colégio, fora transferida para outra casa, em outro estado do país. Havia rodízio sempre, principalmente, quando duas irmãs ficavam muito próximas. Nada podia ser muito pessoal. Quanto preconceito. Mas eu continuava ali, firme, quieta. Não por imposição, como lhe disse, mas porque não me interessava a interlocução.

Naquele ano, em especial, além das costumeiras críticas em meus monólogos interiores, acrescente-se que eu estava em plena adolescência. E adolescente, quando cisma com alguém, não tem jeito. Eu não gostava de minha mestre de classe daquele ano. Os santos não casavam. Contarei uma aventura por conta disso, em outra oportunidade. Por ora, digo que cabia à mestra de classe o ensino religioso da turma. E, infelizmente, para ela, numa das aulas, ela me deu, de bandeja e de presente, uma oportunidade de rebeldia religiosa incontestável. Num dos arroubos entusiásticos de fé, ela nos disse que o santo sacramento da comunhão nos transformava em sacrários vivos de Deus. Que linda metáfora, mas eu não podia deixar passar essa. Não uma adolescente! Quieta, esperei a próxima missa para dar o meu golpe. Comunguei, como todas as moças e esperei o final da missa. A saída da capela para o refeitório seguia um ritual de disciplina minucioso. As alunas eram chamadas por turma, saíam ao mesmo tempo dos bancos, aguardavam o sinal (toque suave de uma castanhola), faziam genuflexão juntas, levantavam-se, viravam-se e saíam, automaticamente, em fila. Organização impecável. Levantei-me com minhas companheiras, saí do banco e me mantive de pé. Todas fizeram genuflexão, eu não, esperei e me virei para sair. Na porta da capela, a mão da irmã coordenadora geral já esperava pelo meu braço e sua voz sussurrou baixinho.

- Você não fez a genuflexão.

Óbvio de ser percebido e eu sabia. Se todos se ajoelham e você fica de pé, é facilmente reconhecida. Sussurrei de volta:

- Não posso.

A freira retrucou:

- Machucou o joelho no treino?

Referia-se ao treino de vôlei, pois eu era do time titular do colégio, com treino oficial às terças e quintas, depois do almoço.

- Não senhora.

Olhou-me interrogativa, mas severa:

- Então, o que houve?

Ela tinha consciência de que falava com uma aluna exemplar.

- Sou um sacrário vivo, porque comunguei. Não posso fazer genuflexão para um sacrário morto.

Meu coração queria sair pela boca, mas eu me sentia uma heroína, como se estivesse fazendo cair em minha armadilha, o resumo do absurdo das convicções religiosas de anos.

- Dirija-se ao gabinete da Superiora e espere lá.

Não dei tempo para que me obrigasse a fazer a genuflexão, abaixei a cabeça e saí rápido, rumo ao meu dia de enfrentamento. Mas estava radiante por dentro, pois eu queria colocar minha mestra em cheque e, pelos deuses, tinha certeza de que conseguiria. Haveria muita confusão antes de resolver esta questão, eu estava certa disso, como toda adolescente que se preza. Até porque eu já tinha feito meu nome no colégio e elas não iriam simplesmente dizer que eu estava ali em nome do absurdo, como acontecera há seis anos atrás. A Superiora era a mesma, o capelão era o mesmo, mas eu estava certa de que o episódio de infância tinha sido esquecido e sobrara a irrepreensível aluna, modelo reconhecido por todos.

Cheguei ao gabinete da superiora, bati, não havia ninguém. A ordem era de que eu entrasse e assim fiz. Estava vazio. Não tínhamos ordem de sentar antes que alguém mais graduado nos desse permissão, ou seja, uma freira, uma professora leiga ou o padre, que eram as pessoas com quem convivíamos. Não havia ninguém do escalão, então, eu deveria ficar em pé. Isto era, tipicamente, a disciplina de um regime de internato da época. Ninguém apareceu por muito tempo. Evidentemente, todos foram tomar o café da manhã, depois da missa. Estar ali, em pé, em jejum, sozinha, era estratégia premeditada, eu sabia disso, uma forma de me fazer refletir no que havia feito, amaciar minha rebeldia para que elas entrassem na minha fragilidade. Não adiantou. Quando entraram, o fizeram em grupo, algo assim como acontece nos filmes que arremedam a Inquisição: a senhora superiora, a vice, a coordenadora geral (a tal que havia me segurado pelo braço na capela) e minha mestre de classe (a tal com quem meu santo não cruzava e que nos dava as aulas de religião naquele ano). A superiora perguntou a razão de minha atitude. Eu, com aquela cara de inocência forçada que só uma adolescente sabe fazer, expus os meus motivos: tinha aprendido na aula de religião que, ao comungarmos, nos transformávamos em sacrários vivos de Deus. Não havia razão para prestar as honras da genuflexão a um sacrário de mármore, que guardava hóstias, mesmo que consagradas. Se eu tinha uma delas dentro de mim, eu valia mais do que um pedaço de mármore.

Olharam-se. Senti que o argumento era forte. A mestra de classe ensaiou uma explicação de que se tratava de uma metáfora. Metáfora ou não, eu tinha comungado e a situação era concreta: não se justificava uma genuflexão. A superiora achou que seria interessante a presença do capelão. Será que ele ainda estaria no colégio ou já teria se retirado para o Convento Beneditino, cuja sede do Alto da Boa Vista abrigava o ancião e mais um grupo de monges que serviam à comunidade local? Claro que estava. Ele jamais desprezaria o café da manhã todo especial que as irmãs lhe preparavam e, bom glutão, o fazia sem pressa, homenageando as atenções que lhe eram consagradas. Demorou a chegar, enquanto nos acomodávamos a um silencio constrangedor. Eu estava firme, meio tonta do jejum, mas firme. O monge entrou, sentou-se e me mandou sentar. Sorriu. Mas nada me quebraria, desta vez. Sentei e ele perguntou diretamente a mim do que se tratava. É claro que ele já sabia. Teria sido contado pela freira que o havia ido buscar, com certeza. Expliquei. Encontrei, novamente, o mesmo sorriso que tinha visto há seis anos. Ele não se lembrava (ou será que se lembrava?), mas eu me lembrava. Procurou contemporizar, explicando o simbolismo do ato, que nada teria a ver com o meu argumento de sacrário vivo ou coisa do gênero. Ataquei frontalmente:

- Então, a irmã ensinou errado?

Ela, ali, à minha frente.

- Não, não ensinou errado, é uma metáfora verdadeira.

- Então, não há motivo para eu fazer a genuflexão.


Olhava para ele firme, convicta, nos olhos. Ele percebia o meu jogo, mas não tinha como desmascará-lo. O argumento era perfeito. Tentou convencer-me pelo exemplo que eu deveria dar a minhas colegas. Supondo que quem comungasse não precisasse fazer genuflexão, como saber quem comungou para ser dispensado do ato? Ademais, era um hábito da santa igreja, como um ritual consagrado, como modificá-lo? Eu firme, na minha teimosia adolescente:

- Devemos falar com o papa, com o bispo ou com alguém que fizesse ver ao Vaticano o absurdo da questão.

Não havia como me convencer e os diálogos eram interrompidos por silêncios reflexivos de todos.

Um monge, a senhora superiora, a vice, a coordenadora geral das alunas, minha mestre de classe, todos ali, sem conseguirem me dobrar. Eu já me sentia vencedora, fosse qual fosse o resultado. Não era digna de castigo, pois estava me pautando em princípios religiosos e não estava desrespeitando ninguém. Era uma discussão de fé, não uma teimosia. Lutava com as armas que eles mesmos me ofereciam. Eu era um sacrário vivo e queria defender isso pela fé à santa madre igreja e seus dogmas. De vez em quando, meu interlocutor masculino encetava algum argumento, mas nada me convencia. E todos retornavam ao silêncio. Eu percebi que eles não me concederiam a razão por nada do mundo. Estavam esperando que eu arrefecesse. Eu não sabia o que fazer. O jejum pesava na minha resistência, o tempo passava. Mas pensei que preferiria desmaiar de fraqueza e estava pronta para isso em vez de ceder. Alguma coisa teria de acontecer. Mas nada acontecia.

O barulho animado do primeiro recreio da manhã me avisou que eram nove e cinqüenta. Eu estava ali desde as sete horas e tinha me levantado às seis. Provavelmente, teria esperado em pé sozinha por cerca de uma hora até que as freiras entrassem, mais o tempo de esperar o padre chegar, as conversas e os silêncios. Eu não estava agüentando mais, até que, talvez o tal anjo do senhor com quem deito e levanto na graça de deus e do espírito santo deve ter-me inspirado.

- Já sei, retruquei.

Todos me olharam.

- Não comungo mais, assim, posso fazer a genuflexão, servir de modelo a minhas colegas, como os senhores querem e não me sentirei mal.

O monge olhou-me com a testa franzida:

- Minha filha, você não pode privar-se de um sacramento tão valioso para a alma.

Eu tinha arranjado uma saída honrosa para a situação, não poderia deixar escapar:

- Não faz mal, Deus sabe de minhas intenções e, sempre que sair do colégio (tínhamos saídas para visitar os pais, nos finais de semana), vou à missa e comungo. Lá ninguém notará que não faço genuflexão.

Acho que o monge também não quis perder a oportunidade de livrar-se da situação melindrosa. Aliás, ninguém ali queria. Então, ficou acertado que eu me deixaria guiar por minha consciência, diante de deus nosso senhor e que o que fizesse fosse feito numa ação fervorosa e cheia de fé. Acedi. Foi-me concedida licença, então, para sair, passar pelo refeitório para pegar uma fruta e seguir para a sala de aula.

Daquele dia em diante, até os dezoito anos de idade, nunca mais comunguei no colégio e nunca mais fui importunada por isso. E como a comunhão estava atrelada à confissão, me livrei de uma só vez, da “obrigatoriedade velada” que existia sobre nós em relação a esses dois sacramentos.